sábado, 16 de julho de 2011

Monografia de pós-graduação VII

2.4- O poeta dos louros

            Dante Alighieri, segundo estudiosos, nasceu em Florença em 1265 vindo a falecer em 1321. Se seu nascimento não se tem data assertiva de sua morte pode-se ter mais exatidão, um 14 de setembro. Na sua vida duas paixões: Beatriz e Florença.
Sobre Beatriz não se sabe muitos dados. Ele a teria conhecido na infância e depois de anos ele a encontraria casada. Ele também havia se casado, mas nunca a esqueceu. Como melancólico de sua época, desenvolveu a sua primeira obra de cunho lírico romântico Vita nuova onde declara o amor a uma mulher na qual apenas a vê ao longe, esta mulher seria Beatriz.
Como não ousa dizer o que sente por ela, fala sobre a amada para Eros o cupido do amor, que lhe é seu confidente. Esta relação amorosa é totalmente divinizada, onde o prazer sexual não é o ponto da questão: “(...) Uma paixão profunda e espiritual da natureza mais nobre, cuja expressão mais alta e definitiva é um nascimento da crença antiga, numa união original de almas e o Ser Divino” (BUCKHARDT, 1991, p. 269). Por não declarar seus sentimentos, Dante alimenta um amor platônico que o leva a tristeza.
Sua outra paixão é a cidade de Florença que sempre defendeu, faz parte do priorado contra o grupo rival os gibelinos uma facção que junto com os guelfos (da qual Dante fazia parte) controlavam a cidade.que era eleito por meio de guildas. A sua guilda era os dos farmacêuticos. Lutou com armas
Por não concordar com o poder eclesiástico sobre a cidade sofreu um golpe de estado, era governador da cidade, expulso passou a ser embaixador, como era conhecido por seus poemas e atos diplomáticos se transformou em cidadão renomado na Itália. Defendia a língua toscana e criticava a relação da Igreja com o poder. Mesmo assim, era católico fervoroso e gostava da teologia de Tomás de Aquino e Santo Agostinho. Sua obra a Divina Comédia é estudada como um documento de uma época, mas talvez, Dante tenha sido antes de tudo um cronista.
Como bem percebe o filósofo Robert Klein em seu livro A Forma e o Inteligível: escritos sobre o Renascimento e a Arte Moderna (1998, p. 58), Dante acaba sendo um painel de tudo que era conhecido pela mentalidade medieval, não somente por declamar o amor, mas por também expor discussões sobre a alma humana como fenômeno que em outras culturas é familiar, e por isto universal.


CAPITULO III
DEUS E O DIABO
3.1- A busca pela salvação

Como não analisar uma obra de arte de Hieronymus Bosch (1450-1516), sem não ter um certo reconhecimento da complexidade que envolve realizar tal procedimento? Bosch é um daqueles casos em que aparece a questão: Até onde a sociedade influi na obra do artista? Ou até que ponto o artista quer retratar o mundo que o cerca? O professor de História da Arte Edgar Wind tenta esclarecer estas questões onde outros historiadores como Panofsky, Buckhardt já haviam esmiuçado.
As obras de Bosch estiveram a um bom tempo associadas por analises modernas a escola surrealista, como se seus monstros e demônios representassem fruto de um subconsciente que na negação a natureza (principalmente carnal) se flagelava. Por isto, os inúmeros demônios castigavam violentamente suas vítimas na maioria amantes ou participantes de orgias. Seria um auto controle do desejo sexual como fazia os antigos eremitas ou flagelantes.
Em outra instância, Bosch poderia ser um cronista de sua época, assim como fora Dante. Seus monstros e situações grotescas são resultado da observação da sociedade onde estava inserido. A impressão que se tem com esta visão é que Bosch não está dentro da sociedade medieval e apenas ficava em algum lugar isolado, observando tudo, como se sua obra fosse fotografia de um voyeur do mundo. Sua obsessão seria o comportamento da sua comunidade ele seria um narrador desta.
De acordo com Panofsky que desenvolveu o método iconológico teríamos que
tentar inicialmente, não somente ver a obra no âmbito formal (cor, distribuição das figuras na tela...), mas localizar no espaço-tempo a categoria de estilos e tipos na qual o artista se encaixaria. Para Buckhardt, a documentação histórica seria uma chave para traduzir trabalhos artísticos. Panofsky também faz uso da relação história/arte com uso de documentos da época em que a obra foi confeccionada. Mas e quando os elementos que estão dispostos na obra dificultam a sua leitura, mesmo usando documentos?
De acordo com Edgar Wind, necessitaria de uma ação especifica para isto:

O método utilizado para chegar a isso só pode ser um método indireto. Cumpre estudar todos os gêneros de documentos que a critica histórica metódica pode associar à imagem em questão e demonstrar por a prova circunstancial que todo um conjunto de concepções, que devem ser estabelecidas uma por uma, contribuía para a formação da imagem. O estudioso que dessa maneira revela tal conjunto de associações há muito perdido não pode presumir que a tarefa de investigar uma imagem consiste simplesmente em contempla-la  e ter um imediato sentimento de empatia com ela. Tem de se lançar num processo conceptualmente dirigido de recordação, mediante o qual ingressa nas fileiras daqueles que mantêm viva a ‘experiência’ do passado. (WIND, 1997, p. 79).


Neste momento a comparação de Bosch com Bruegel e todo um achado sobre uma arte que expressa o belicismo, seria um quesito obrigatório para entender estas obras medievais. Pode-se ir a fundo e estudar o tema do grotesco que logicamente começa antes da Renascença ou da própria Idade Média. O estudioso Vitrúvio (70-25 a. c), por exemplo, já pesquisava sobre estas imagens de cunho assombroso.
De acordo com o historiador Wolfgang Kayser em seu livro Grotesco (1986, p. 18-20) as imagens de deformações e hibridizações demoníacas e mitológicas, já se encontravam na Roma e na Itália em grutas e locais onde se fizeram escavações para encontrar resquícios da arte clássica. O grotesco, com suas volutas e motivos decorativos com plantas misturadas com feras e monstros encontravam-se em colunas jônicas e em baixo-relevos de teor pagão. Cada monstro ou criatura de Bosch evocava a antiga arte laica que como a romana era pagã.
Mas, mesmo apelando para esta relação ainda falta outro dado para entender afinal as obras de Bosch. Alguns estudiosos propõem que estudando a vida particular do artista pode-se chegar ao cerne da questão. Fazendo uma investigação da vida do holandês nascido em Hertogenbosch podemos saber que a pintura era algo de familiar, já que seu avô fora o pintor principal da comunidade. Também sabemos que Bosch seria burguês e que seria praticante de uma seita chamada Confraria da Nossa Senhora, ou que ele poderia fazer parte dos Adamitas uma seita de cunho herético que pregava o sexo como forma de elevação espiritual, ou que ele era um adepto dos eremitas e fazia parte da Ordem dos Irmãos da Vida em Comum. Se investigássemos mais ele poderia ter tido aversão às classes menos favorecidas e que seria enfim protestante.
A vida de Bosch provocou inúmeras deduções que na maioria se contradizem. Se ele era adepto de uma seita como Adamitas que pregara o sexo livre, por que na maioria de suas obras o sexo parece ser um motivo de condenação ao Inferno? Poderia Bosch ter sido um cátaro. O catarismo pregava a fé em um Deus dualista (tendo o bem e o mal em si mesmo). Para o cátaro o homem enquanto estivesse no mundo material estaria disposto para o pecado. Para se salvar a purificação do espírito deveria reencarnar. Por ser politeísta (um deus do mal e outro do bem) o cátaro questionaria a filiação divina de Cristo. Por este pensamento a seita foi perseguida pela Igreja. O Catarismo teve sua expansão na Idade Média nas regiões do norte e onde houve a invasão muçulmana. De acordo com o biografo Trewin Copplestone (1997) Bosch teve uma vida pacata, apesar de pintar infernos e flagelações. Para um catálogo de mostra de arte surrealista em Portugal o estudioso Dagoberto Markl (1994) Bosch é o pai do Surrealismo graças à força das imagens que se aproximam de trabalhos de Marx Ernest (1891-1976) e de Salvador Dali (1904-1989).
Um dos pontos-chaves talvez para desvendar Bosch seja a Melancolia: tema da Idade Média onde o homem se isola para refletir sobre a sua vida ou buscar um sentido para ela. Parece que o pessimismo de Bosch que transparece em um Jardim da Delicias, Carroça de feno e As Tentações de Santo Antão. É o mesmo de um Peter Bruegel e seu ‘Triunfo da Morte’ (figura 04). Mas, como atesta Giulio Carlo Argan em seu Clássico Anticlássico (1999, p. 460) que Bruegel não vê esperança ou redenção para o homem do medievo. Ele está mergulhado em si mesmo e não enxerga a sua ruína que se aproxima, e mesmo que compartilhem de estilos e do uso da linguagem visual cifrada com os provérbios holandeses, já que Bruegel continuaria sua obra na qual Bosch passou como um mestre que gera discípulos. Todavia, eles não são semelhantes. Tudo por causa da visão pessoal de mundo, onde Bosch ainda vê uma redenção: ela é somente Deus.
Como Agostinho não há lugar para o livre-arbítrio; ou o homem se converte para a luz ou queimará nas chamas do Inferno o que poderia questionar sua filiação a seita dos cátaros, já que mesmo que esta seita fale de castigo e materialismo Bosch não crê em um Deus dualista. Mas há ainda tempo para abandonar a carroça de feno que leva para o Inferno, parece avisar Bosch enquanto que para Bruegel, não há remédio, a não ser o fim e a autodestruição.

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