domingo, 2 de janeiro de 2011

Quando o homem criou Deus e o Diabo

A nossa relação com o desconhecido sempre gera polémicas. Quem estuda ou se interessa por artes plasticas, por exemplo, depara com temas que podem ir além do aprendizado de técnica de como desenhar um retrato, pintar paisagem ou confeccionar uma escultura. Terminei recentemente uma pós-graduação em História da Arte e escolhi como tema a pintura e a literatura na Idade Média. Como assim literatura?  O que uma coisa tem haver com a outra? você deve estar me perguntando. Calma que eu chego lá !
Todo mundo já assistiu a filmes de terror sobre o mundo além, mais precisamente sobre o Paraiso e o Inferno que é retratado nos filmes e que é uma emulação do que já foi produzido em grande escala na pintura, principalmente no período mediaval. Nestes tempos a principal preocupação do homem era com a vida após a morte. Não à toa as igrejas eram decoradas com retabulos e murais sobre o tema do Apocalipse: Imagens de demônios e anjos lutando por homens e mulheres no dia do julgamento final.
Bem, sou de uma familia católica super tradicional, fiz primeira comunhão e tudo o mais. Pensei até em ser padre, mas a vontade de trabalhar com arte era mais forte. Tà certo, para não fugir do assunto, resolvi me formar em licenciatura em Artes Visuais e dar aulas em escolas. Como queria aprender mais sobre arte resolvi fazer uma pós.
Na hora de fazer a monografia eu procurei um tema na qual me identificasse. Foi aí que pensei no tema da Idade Média (sempre curti este período da história, mais por causa dos filmes que assistia na sessão da tarde da Globo do que pelos fatos descritos nos livros) e pensei nas pinturas apocalipticas de pintores como Signorelli, Bruegel e Bosch. De cara também resolvi fazer uma pesquisa sobre o poeta florentino Dante Alighieri, o autor da Divina Comédia.

Comecei a escrever a monografia com a orientadora super preocupada comigo pois, o meu tema mais parecia um Frankstein. Qual seria a conexão do trabalho de Dante e as pinturas medievais? Bem,  A Divina Comédia trata da teologia e da crença do Inferno através de poesia e o trabalho de Dante é citado em varios filmes e até saiu um video game sobre a sua obra recentemente. O trabalho dele foi um reflexo do pensamento de sua época em 1300.


Mais tarde no século XIV e XV, devido ao advento das cruzadas e posteriormente do pensamento protestante, o tema do Juizo Final era quase uma regra que os artistas a mando da Igreja tinham que realizar. Dos pintores deste período escolhi Hieronymos Bosch, pintor holandês, que tinha um fascínio pelo tema do fim dos tempos.
A questão que norteou o meu trabalho era como o homem da Idade Média e da Renascença relacionava sua vida com as forças sobrenaturais ( o bem e o mal ou Deus X Diabo) e como esta crença ganhava forma no mundo artistico. Este trabalhou me levou a um caminho complexo e polêmico (como deixei bem claro no começo deste texto).
Complexo porque  tive que ler muitos trabalhos de historiadores que nem sequer citavam a arte como foco de estudo como Jacques Le Goff e Patrick Gadner. Além de pesquisar estudiosos de Dante e da poesia romantica medieval. O pior veio mesmo quando tive que escrever sobre a relação bem e o mal e sugerir que talvez tanto Deus quanto o Diabo não seriam mais que criações da mente humana que procura avidamente explicar a origem do univeso. As imagens das divindades sejam pinturas ou esculturas são visões pessoais do artista que as criou, bem como da sociedade na qual ele está inserido o que explicaria a diversidade dos mitos e de lendas sobre a origem do homem e do universo.
Introdução
A colonização das Américas pelos europeus trouxe para o chamado Novo Mundo uma forma de pensar que demonstrava que mesmo a civilização mais ‘avançada’ tinha muito o que aprende de si mesma. O medo do desconhecido e o fascinio pelo  o que não era familiar - o maravilhoso (mirabilia) - fez o homem europeu se defrontar com nova culturas e elementos que não eram  um espelho de seu mundo.
Os povos do norte da América bem como os sulamericanos encararam  os representantes de uma sociedade na qual o misterioso e o sobrenatural aliado a um desejo de romper fronteiras lhe ram característicos. A forma sócio-cultural que defendiam foi transmitida para as regiões dos povos colonizados.
O medo de demônios as crenças em uma divindade monoteista e seus representantes dogmáticos com seus símbolos e vestes pesadas logo foi seassimilando à cultura e o modo de pensaradverso dos grupos nativos da chamado Novo Mundo.
Todo estes fatos aconteceram quando o europeu estava em uma transiçãocultural esmagadora. O humanismo, na qual o homem procurava ser o centro e não Deus, capitaneava as navegações para terras distantes graças aos avanços cientificose náuticose pela necessidade de desafiar antigas crenças, muitas vezes impostas pela religião predominante.
O resgate de valores pré-cristãos e a crise existencial moldaram o homem que colonizaria  as Américas. Cada vez mais desiludidos e também à procura de riquezas para manter seu poder singravam os mares em busca do ‘paraíso perdido’. Esses fatores contribuíram para a expansão da cristandade. A conversão em cristãos, o uso de vestes e a demonização ou sincrétismo da cultura de índios e  posteriormente de escravos africanos, deixou de herança para todo o Ocidente: a perseguição às bruxas, as edificações de igrejas, as imagens de santos, anjos, a ideia de um paraíso celeste e monstros infernais; que custam a desaparecer de nosso inconsciente.
Não se que dizer que demônios e mundos celestiais não existissem em outras culturas.Contudo, o imaginário do homem medieval  que já carregava elementos pagãos e judaico-cristãos forjou um contexto complexo e único. Em um mesmo mundo de titãs,centauros, górgonas e sátiros conviviam os anjos, querubins, santos, diabos, feiticeiros, adivinhos, magos, terras de chamas e terras cheias de luzes. O alicerce para tantos elementos se  unificarem era a Biblia e as lendas do mundo laico. Misturavam-se ao mesmo tempo que eramdemolidos e reconstruidos pelos homens da Idade Média.
No fim, todo o belicismo, o contratualismo, o fatalismo e o simbolismo seriam conhecidos como mentalidade medieval. O modo como o homem da Idade Média enxergava o mundo seja por sinais sobrenaturais na natureza, o fim próximo com um julgamento divino e a relação entre convivencia e acordo com seres celestiais e mundanos virou nosso legado. Não podemos esquecer da contribuição a revelação dos avanços da ciencia e da tecnologia que nos norteiam até os dias de hoje. As artes visuais é que expressam a técnica e o modo de ver do europeu o mundo junto com as missões religiosas.
Na Europa a oralidade era  a base de transmissão da crença, o veiculo da cultura. Com o tempo e a necessidade de expandir o cristianismo,o olho passou a ter mais importância que os lábios. As palavras adiquiriram maior sentido quando apelaram para o imagético. Por isso as parábolas e as pinturas alegóricas potencilalizaram a crença no mundo além.
Não há como deixar de perceber o fascinio pelas imagens belicistas. Seria necessário para entender tão complexo mundo evocar pelo menos dois representantes: um da mentalidade totalmente medieval e outro da Renascença (de certa forma ambos possuíam um espírito de transitoriedade, já que eles estavam presos ao passado e rumando para o futuro simultaneamente). Entre tantos artistas o pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516) parece nos dizer melhor  em forma imagética como o homem da  Idade Média encarava a vida e a morte. Mesmo sendo um artista da Renascença, Bosch parece mais do medievo com seus monstros e resgates da fé. Além, de seu trabalho ser bastante controverso e ter sofrido longas análises somente em nossa época contemporânea. Bosch será nosso navegador no mar do estranho mundo de demônios e anjos que tão bem retratou.
O outros representantes da mentalidade medieval não é um pintor, pois deve se ter em mente
que a mentalidade medieval não se materializou somente na pintura. A literatura medieval contém um grupo de literatos que souberam condensar ou expressar este mundo, tão cheio de apelo emotivos assombrosos. É o caso de Dante Alighieri (1265-1321) autor da Divina Comédia.
Seu trabalho está entre as maiores obras já produzidas pelo Ocidente. Verdadeira representaçaõ em palavras, escrita e imagética da mentalidade medieval, uma enciclopedia do pensamento do homem medieval.
Dante herdou do clássico e do poema do poeta Prudencio (348-c. 410) o arcabouço imagético na qual alegoria predomina. Não somente a alegoria de subostuição de uma ideia abstrata por uma imagem em nível de linguagem (semântica), mas a imagem captada pelo olho. Seu Inferno foi adotado e apropriado por diversos artistas. Cada palavra descritiva de seu poema que é uma imagem poética virou algo palpável para os artistas do século XII e XIII. Em analogo temos Bosch, que como um poeta imagético cria uma narrativa que se fosse transportada para as palavras teria a mesma semelhança. Seus demônios e anacoretas piedosos eram uma leitura para os da sua época, como um livro. No fundo o poeta  e o pintor exaltaram o Imago. Um de forma poética e o outro visual. Porém, a distancia  de tempo entre os dois não os separa por causa do belicismo que está inserido na cristandade que ambos parecem defender e ao mesmo tempo atacar.
Ciente disto, esta monografia propõe expor como o belicismo é expresso na pintura e na literatura. Como a obra de Dante Alighieri ajudou no imaginiário visual e de  que ,maneira as pinturas  boschinianas  podem ser expressoes da mentalidade medieval. Para este trabalho serão estudadas algumas obras de Bosch, correndo o risco de não estudar as mais importantes em termos de crítica e público, já que a pesquisa não é sobre o artista, mas como sua obra se relaciona com o objeto de estudo. Em outros casos serão expostos também outros artistas contemporâneos de Bosch que também podem explicitar o medievo.
O trabalho monográfico não tem a pretensão de ser uma resenha literária, visto que não é o seu foco principal. É uma monografia de cunho artistico que procurará antes de tudo sondar a relaçaõ palavra/imagem. Na qual o intento é perceber a força de duas formas de linguagem em prol de uma crença ou na crítica desta. Foi necessário recorrer a HIstória e a Teologia como pontes que pudessem não somente conectar a pintura e a literatura. Se na obra de Dante existia a explicita exaltaçaõ a teologia católica, nos trabalhos de Bosch o viés histórico e a exposiçao de novos credos. É importantíssimo para os contemporâneos entender suas imagens. Aliás, a História está em Dante e Bosch como um pilar na qual sustentou seus trabalhos.
O trabalho é embasado por historiadores de arte como Jacob Buckhardt, Erwin Panofisky, Wolfgang Kayser e Giulio Carlo Argan. Também por medievalistas como Jacques Le Goff, Marc Bloch, Hilário Franco Júnior, William Manchester entre outros. Todo este aparato de historiadores de arte e medievalistas e a contribuição de tratados teológicos de doutores da Igreja são necessários, pois o belicismo é complexo, bem como os representantes deles aqui reunidos. Contudo, tendo esta percepção o trabalho não deixará de alcançar seu proposito de trazer para a contemporaneidade a obra de ambos os artistas e como suas obras se sustentam discussões sobre a vida do medievo e a transição para o Renascimento com seus desafios e contradições.

Como podemos ter certeza que Deus é um velho barbudo sentado em um trono? Ou se o Diabo e o Inferno realmente existem? As pinturas medievais mostram que nem sempre Deus e o Diabo tiveram a mesma aparencia e que está mudava de acordo com as situações politicas e sociais da época.
Polêmicas à parte, deixo minha monografia a vista para quem quiser ler e dar a sua opnião.

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