quarta-feira, 20 de abril de 2011

Monografia de pós-graduação: Das palavras de Dante ás imagens de Bosch

Prometi mostrar aos que acompanham o meu blog o minha monografia de pós-graduação. Nas minhas primeiras postagens enviei somente a introdução. Agora mostro um pouco mais desta monografia apresentando o primeiro capitulo:

               CAPITULO I


               IDADE MÉDIA


1.1-Das trevas para a luz

A Idade Média é um período na história que sempre causou calorosos debates. Houve uma época em que somente o século XIII era foco de estudos: cruzadas, Inquisição e poder desmedido do clero. Segundo estudiosos como Hilário Franco Junior autor do livro A Idade Média: Nascimento do Ocidente (1986) a Idade Média Central (séc. XII e XIII) e a Baixa Idade Média (séc. XIV e XV) deixaram mais registros que a chamada Primeira Idade Média (séc. V e VI). As Cruzadas e a Peste Negra entraram para a história e simultaneamente levaram a Idade Média a ser conhecida como uma era de obscurantismo e ignorância.
Estudiosos como o norte-americano William Manchester (2004) esmiuçaram uma Idade Média desprovida de glamour ou de fantasia a qual o homem contemporâneo e os românticos do século XIX cultuavam. Nos livros de História e nas escolas e universidades, a Idade Média era uma ‘Idade de Trevas’, como bem ressaltava o poeta Petrarca (1304-1374). Com o tempo, contudo, outros estudiosos como Jacques Le Goff (2008) e o próprio Franco Junior procuravam não analisar a Idade Média com a visão iconoclasta do homem contemporâneo e sim como ela poderia ter sido.
Mas a questão seria a Idade Média ou como os historiadores a veem? Alguns historiadores como Marc Bloch (2002) ressaltam que uma ‘história mal entendida’ pode obscurecer fatos importantes e assim levar a descrédito fatos relevantes. Deve ser por isto que a Idade Média tem uma fileira de historiadores que a amam ou a odeiam. Parece que durante um período odiar ou ‘demonizar’ a Idade Média era o mais correto.
Logicamente que a Peste Negra é uma mácula na história deste período, assim como a Inquisição e as Cruzadas. O que não se pode esquecer é que o eurocentrismo, a visão do europeu como um macro universo onde tudo gira ao seu redor, ainda vigente nos livros de história foi quem potencializou estes fatos, transformando fenômenos que assolaram a Europa durante o século XIII e XIV em calamidades de escala globais, dignas das pragas do Egito bíblico. O mesmo eurocentrismo acabou por criar uma aura de romantismo, onde o mítico e o ilusório passaram a predominar. É neste momento que entram os contos de fadas, os monstros e as aventuras cavaleirescas em busca de relíquias sagradas. Mas como entender a discrepância entre o mágico e um não tão glamouroso mundo medieval?
O ponto talvez seja entender que a história (como disciplina) não deve se prender a datação de fatos, como se tudo girasse em torno de um finalismo (a partir de uma origem) onde o historiador deveria chegar. Por isto, perguntas como ‘o que?’, ‘onde?’, ‘quando?’. Para Bloch o historiador sincronizaria fatos não para simplesmente catalogar, mas, para ver o porque dele ter acontecido, verificando a ação do homem no tempo, algo que é continuo e não estático no espaço-tempo.
No caso específico da Idade Média, a compreensão da mentalidade medieval precisaria de estudos e formações específicas. Segundo o teórico Patrick Gadner em Teorias da História (1984) o desenvolvimento da inteligência humana passaria por três estados teóricos de formulação intelectual: o estado teológico, o metafísico e o científico. Estes três estados gerenciariam métodos distintos na qual a intenção é entender o espírito humano e como este sonda a sua trajetória na história.
No estado teológico a investigação do homem está voltada para a ação da natureza, mas, o finalismo desta ação seria desencadeado por fenômenos sobrenaturais, esta ação sobrenatural seria arbitrária e explicaria tudo que está no universo. O nível metafísico é uma ampliação do nível teológico, onde o comportamento humano e suas ações além da natureza seriam resultados de forças de entidades ou personificações abstratas do agir humano. O terceiro e último estado seria o científico. O espírito humano percebe que não poderá chegar ao sentido final do fenômeno, porém, por observação de dados e reprodução destes percebe como ocorre o processo que leva um fenômeno a acontecer.
Se seguirmos o raciocínio de Gadner, o homem grego estaria no estado metafísico, com seus deuses tão humanos e tirânicos. Nós homens da contemporaneidade estaríamos no estado cientifico, algo iniciado com os humanistas do século XIV. Então o homem medieval estaria inicialmente no estado teológico, mas, também no estado científico, como uma transição entre ambos. 
De certa forma o pensamento de Gadner demonstra uma ideia evolutiva bem europeizante, na qual o homem ocidental passaria por todas estas etapas e assim chegaria ao seu auge no científico. Uma ideia cientificista, que esquece que muito do pensamento metafísico e teológico encontram-se na história das sociedades em que a cristandade era fortalecida e ainda continua. O pensamento científico que Gadner transparece iluminista propõe que todo o pensamento teológico e metafísico será abandonado com a evolução cultural e científica do homem. Porém, como o tempo demonstra o avanço tecnológico e científico não quer dizer um afastamento do teológico e nem muito menos do metafísico, já que o não controle de eventos naturais como terremotos, vulcões em erupções e maremotos fazem o homem evocar a ideia de ira divina algo hierofânico, muito forte da Idade Média.
Para se entender alguns termos como Idade Média e ’Idade das Trevas’, temos que relembrar fatos, mais precisamente no século XIV, quando os humanistas estavam resgatando os valores greco-romanos na Arte e na Literatura. Segundo Le Goff (2008) o termo Idade Média (media tempora) teria sido utilizado inicialmente pelo poeta italiano Francesco Petrarca (1304-1374) seria como dizer, que uma era chegava ao seu fim. Mas, a ideia de Idade Média tinha outras informações contidas:

 Os homens disso que chamamos Renascimento tinham o sentimento de que a Idade Média era um obscuro período intermediário entre a Antiguidade e o presente que vivia, no qual o culto das letras, da arte, reaparecia. Idade Média: no espírito daqueles humanistas, tratava-se de uma expressão pejorativa (LE GOFF, 2008, p.
Para os renascentistas os avanços sociais e científicos no período entre os séculos XII e XIV eram incipientes. Mais tarde os iluministas do século XVIII, diriam que foi uma época de estagnação intelectual. A historiadora e socióloga Elisa Byinton em seu livro Projeto Renascimento (2009), ressalta que o grande diferencial entre o homem da Idade Média e o humanista estava que o último teria a consciência de tempo, o que para o camponês medieval era um pensar estranho. Sua vida seria um fenômeno espacial linear, ele tinha uma vaga lembrança de um passado remoto e folclórico, mas, o seu futuro para ele não existia, o presente era o agora e terminaria com a sua morte indo de encontro ao Paraíso ou ao Inferno de acordo com as suas ações terrenas e um senso de tempo sazonal, pois era vítima das agruras da Natureza. Porém, a visão humanista que via a Renascença como uma ruptura com a Idade Média também não era correta: “Hoje pensamos que na história não há cisões tão drásticas nem determinadas com tanta precisão e tendemos a valorizar os elos entre os momentos consecutivos, assim como a consciência critica da continuidade histórica. As pesquisas do último século desmistificaram a idéia de ‘Idade das Trevas’ e se dedicaram a identificar os inúmeros vínculos entre Idade Média e o Renascimento”. (BYINTON, 2009, p. 09).
O homem medieval era guiado pela teologia da Igreja, que como uma bússola indicava segundo sua visão estreita sobre o mundo, o seu lugar no tempo. Além da própria visão linear que começava com o surgimento de Adão e terminava no Juízo Final, havia também a visão circular na qual o homem era vítima da Natureza e o tempo escatológico que como uma afirmativa ao tempo linear tinha Deus como motor motivador da existência e seu encontro final com ele no fim da vida.
  Este foi o fator primordial para os iluministas do século XVIII verem a Idade Média como um período de estagnação intelectual: o poderio da Igreja que detinha os livros e tratados filosóficos em suas cátedras enquanto a maior parte da população trabalhava para manter os feudos e os ducados sem nenhum contato direto com a literatura (a taxa de analfabetismo entre os camponeses era muito alta). Segundo William Manchester (2004, p. 21) o analfabetismo era uma característica comum deste período. Por um lado o acesso à leitura era restrito por outro, alguns avanços tecnológicos estavam aparecendo, principalmente no campo, onde a maioria da população se encontrava.
A invenção do moinho que facilitaria a irrigação das plantações ocorrido nos países baixos e o uso de boi no arado no lugar do cavalo aumentou o trabalho e os rendimentos no campo fizeram os feudos crescerem e assim aumentar as construções de cidades e castelos ao redor deles. Como bem coloca o historiador Jean Verdon em um artigo intitulado Camponeses heróis medievais (2008, p. 38).
 O camponês era um homem de poucas posses, tinha uma habitação paupérrima sem nenhum luxo e nem saneamento básico. As vilas ficavam distantes das cidades e as estradas nem sequer existiam somente meras trilhas. Com tantas dificuldades sociais e financeiras a maior parte da população dependeria da religião como elo de ligação com a civilização enquanto sua mão-de-obra servisse ao rei, o duque e ao clero. (continua)

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