sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Projeto de pós-graduação Parte IX

3.4-No jardim do bem e do mal

Cátaro ou adamita? Um irmão de vida comum ou participante de confraria? O Jardim das Delicias foi a obra, digamos, que projetou Bosch para o mundo relevante das artes e é talvez, a sua maior síntese em termo de mensagem alegórica. O painel central do tríptico que se encontra no Museu do Prado transformou-se para os críticos e historiadores de arte em um enigma em forma de pintura.
De Kayser a Copplestone, de Bosing passando a Markl, a obra possui diversas camadas que suscitam diversas leituras. Na maioria delas a Luxúria é patente. Como Bosch retrata os pecados capitais em muitas de suas obras é natural que ele tivesse tido uma predileção por um deles. Se nas Tentações de Santo Antão é a manutenção da Fé o suposto tema, em o Jardim é a perda dela talvez o seu mote.
Como provável protestante é difícil pensar que o mesmo Bosch que realizou a Tavola dos Sete Pecados Capitais e a Carroça de Feno tenha feito uma obra na qual o sexo tenha sido exaltado como se fizesse parte de uma seita Adamita, que via o sexo como meio de purificação. Bastante conservador neste assunto, Bosch que visualizava santos sendo tentados por sucubus, não apoiaria tal ideia.
O pensamento católico que fez do sexo uma arma do maligno ainda era forte para o artista do século XV. A dança de homens e mulheres nus em meio a fontes e frutas gigantes  e animais híbridos, não transparecem a inocência de Adão e Eva quando visto mais de perto e analisado. Em todo quadro vemos casais e grupos em uma dança de cunho erótico. E o mais interessante: não há a figura de Jesus Cristo no painel central como acontece no volante esquerdo do tríptico. Que ‘paraíso’ é este?
A fonte que se encontra no centro do quadro que lembra um objeto fálico que perfura o céu azulado brota de um lago com sua aparência de vegetal. É uma referência de que aquele mundo não existe na nossa realidade. Seria uma fantasia ou uma visão de um mundo sobrenatural? Para Wolfgang Kayser (1986, p.31-36) os homens alados segurando esferas e bailando no céu seriam referências alquímicas. Alquimia que Bosch condenou em sua obra o Conjurador.
Os elementos esféricos aparecem em abundância na obra, seja em forma de frutas assemelhando a cúpulas e bolhas de vidro. O equilíbrio da forma esférica parece ser desafiado pela ação da orgia sexual que transborda na obra. As frutas parecem remeter ao fruto proibido que mesmo delicioso pode trazer amargura e o fel. Uma analogia dos sermões que a Igreja usara e que o povo do Norte também conhecia por meio dos provérbios holandeses.
Talvez, o catarismo de um Deus permissivo que deixa o homem diante do mal para prová-lo fosse a resposta. De toda forma a festa luxuriosa com peixes como símbolos da lascívia, grifos, unicórnios e homens alados e orgias levariam o homem para o Inferno como conseqüências destes atos, como deixa transparecer o volante direito do tríptico.


CAPITULO IV

MORAL DA HISTÓRIA

4.1-Crise de Fé

Depois de se travar um contato com a leitura de Dante e se deparar com as obras de Bosch, a distância que eles guardam um do outro desaparecem. Distância não somente temporal, como também geográfica. O sonho católico de unificação da Europa defendido pela Igreja surtiu efeito ao se perceber que o medo e a apreensão do homem da Itália pré-renascentista era o mesmo do homem que já se encontrava na Renascença. Enquanto os pintores italianos declaravam exaltação ao mundo grego que conheciam por escritos vindo de mosteiros em latim e que, mesmo assim os despertou para o passado, os pintores dos Países Baixos de cultura laica fortalecida em não aderirem ao poder católico graças a Martinho Lutero viam o mundo por outros olhos.
A percepção do homem como indivíduo responsável por suas ações, não era reconfortante para os contemporâneos de Lutero, pelo contrário, com a individualização veio a responsabilidade e o peso na condição humana.  A Tabula dos Sete Pecados Capitais de Bosch demonstrava o medo do homem através de um cunho moral que deixava transparecer toda a fragilidade do homem.
Nos Países Baixos, segundo Manchester (2004, p. 159) a descrença nos dogmas católicos trouxe um pensamento na qual criticar a fé ganhou força. Cada vez mais os tratados teológicos eram colocadas à prova. Martinho Lutero percebeu que a lógica que os intelectuais humanistas exaltavam tentava demolir toda uma crença, já que a formação da fé como os teólogos explanavam não precisava da razão para se impor. Logicamente que não eram toda as regiões da Europa que passavam por este momento de crise. Os Países Baixos manifestaram esta crise de razão e fé de forma mais explicita que a Itália de Dante. Mesmo o afresco de Michelangelo onde o homem parece ser o centro, ainda percebe-se a doutrina católica imposta pelo papa ao artista prevalecer. De toda forma a cristandade estava em xeque como bem esclarece Le Goff.
Segundo este historiador (LE GOFF, 2008, pg. 159-160) o século XV e XVI foram os últimos sopro de vida de uma Cristandade já em crise com as invasões bárbaras em regiões importantes como Constantinopla, o que levou a queda do Império bizantino. As guerras por tomadas de territórios e as ações polêmicas da Igreja quanto à conquista e manutenção de poder social e religioso fizeram ascender mais tarde a Reforma, movimento que antes de tudo tentou trazer o antigo cristianismo a sua ‘pureza’ e o que acabou provocando ruína na unidade da instituição.
Além das guerras de conquista de territórios perdidos devido às incessantes cruzadas, expansões territoriais e a desilusão no catolicismo romano, havia as doenças que ganhavam conotação de maldição divina como atesta a escritora Bárbara Tuchman em seu artigo intitulado A Peste Devasta a Europa (2008, p. 50-51). Ela demonstra que a peste negra ganhava contornos místicos, algo totalmente fatalista. A doença que mortificava a população era vista como prenúncio do fim dos tempos, como os padres e anacoretas citavam, tendo a Bíblia como aparato de sustentação. Logo se tornou tema de escritos e pinturas. Deus punia seus filhos ingratos por muitos flagelos físicos que a doença transparecia por bolhas de sangue e mau cheiro, como personagem bíblico Jó. Todo este finalismo fez surgir seitas religiosas e na mesma proporção uma crise de fé no homem e na amabilidade de Deus.
De toda forma não se pode deixar de perceber que a relação entre homem e responsabilidade que Bosch sublinha em sua obra aparece muito antes na obra do poeta Prudêncio, onde ele travestia a luta do homem e o mundo de roupagem de batalha entre as virtudes e os vícios em sua obra intitulada Psicomaquia. Ao dar as virtudes e vícios à imagem de mulheres guerreiras que lutam contra seus nemesis (fé contra paganismo, a castidade contra a luxúria, a paciência contra a ira, a humildade contra o orgulho e a caridade contra a avareza) o poeta cristão instituía uma obra de cunho moral teológico que seria base para as demais no século XV, talvez Dante tenha tido acesso também à obra de Prudêncio além do mito de São Brandão e da Eneida.
As doenças e guerras seriam conseqüências das escolhas humanas. Estas escolhas segundo a época seriam mal vistas diante dos olhos de Deus. Por isto quanto maior a responsabilidade do homem, maior pode ser sua culpa. Nas pinturas de Bosch e no Inferno de Dante se expressa o preço da escolha. Toda a escolha do homem no fim acabaria por ocultar a luta de Deus e o Diabo pela alma do homem. O que nos leva a Psicomaquia de Prudêncio.

4.2-Alegorias e imagens
MENTALIDADE MEDIEVAL

               BELICISMO


               DEUS X DIABO


               HOMEM  X  IMPULSO


               VIRTUDE X     PECADO




               DANTE                           BOSCH


Itália                                 Holanda

Católico                      Herético



De acordo com Flavio R. Kothe (1986, p. 07), a alegoria seria uma materialização de uma ideia por vias concretas e contém um fundo moral. Neste caso o que seria alegórico nas obras de Dante e Bosch? Como eles trabalharam o símbolo e a moral da alegoria? O que existe de transparente e opaco nas obras de Dante e Bosch? Quais seriam as características identificadoras nestas obras? Panofsky percebe que existe o tema e motivo na Idade Média: o tema para Panofsky seria a cultura clássica, a mitologia grega e todas as suas características elementares. Em contra partida, o motivo seria os elementos cristãos ocupando espaço de elementos clássicos, mas evocando estes elementos como se estes fossem cristãos e não pagãos:

“Isso é bem verdadeiro, e a tradição textual através da qual o conhecimento dos temas clássicos, principalmente da mitologia clássica, foi transmitido à Idade Média e persistiu em seu decurso é da máxima importância não apenas para o medievalista como também para o estudioso da iconografia renascentista. Pois, mesmo no Quatrocentros italiano, foi dessa tradição complexa e muitas vezes corrompida, mais que das fontes genuinamente clássicos, que muitos artistas hauriram suas noções de mitologia clássica e assuntos conexos” (PANOFSKY, 2004, p. 71).

Os artistas deste período conheciam a cultura clássica alterada ou demonizada pela Igreja, onde deuses mitológicos eram desprestigiados para exaltar o cristianismo. Ao mesmo tempo os escritos gregos traduzidos para o latim eram transformados em conto de exaltação cristã. Zeus ganhava contornos de Deus monoteísta, assim como o Diabo ganhava a aparência de um sátiro. A Ilíada de Homero recebia alegorias de moral cristã de cunho punitivo ao tentar questionar ou ousar ir dos limites proposto pela Santa Sé.
Plutarco (A. c 46-120 D.c) cunhou o termo hyponda, na qual derivaria o termo alegoria. O termo em si englobaria a ideia de significação oculta. No caso os escritos gregos ganhariam significações ocultas ao serem transformados em modelos para a arte cristã. Dante teve contato com os escritos de Virgilio, desta maneira traduzidos em latim e talvez com um significado bem diferente do que era destinado. O que explica seu Inferno onde Lúcifer um elemento judaico-cristão habita a casa de Plutão tornando o Hades um inferno grego com outras conotações alegóricas em um lugar de punição e ranger de dentes bíblico. O Purgatório seria um monte Olimpo onde somente os heróis podem escalar. Em cada escadaria e fosso do Purgatório que Dante cruzava ele ganhava contornos heróicos como o Enéas de Virgilio. O Paraíso se alojava entre os nove planetas do sistema geocêntrico. Cada planeta era relacionado a um deus grego como se fosse um mapa do próprio Olimpo. A teologia de Tomás de Aquino e a Cidade de Deus de Agostinho davam uma ambientação cristã a este lugar. Dante então, povoou o céu dos deuses e semideuses gregos de santos, papas, reis e teólogos até chegar à rosa mística onde esta toda a potestade com as hierarquias angelicais formuladas por Dionísio, Pseudo-Areopagita, discípulo do apóstolo Paulo responsável por propagar a idéia da hierarquia angelical em Roma em 1500 d.C.
 A obra de Dante logicamente não possui somente a camada de motivos para a sua análise. Dante foi político atuante em sua época, também foi um individualista (um homem autônomo de decisões e ciente de si que se deixa mergulhar nos desafios que lhe vem a frente, disposto aos louros como o próprio dizia de sua obra no Paraíso da Comédia) ao se colocar em suas obras como narrador personagem pôde colocar uma situação que presenciava: a crise da Igreja, a ascensão dos comerciantes e busca cada vez maior por conhecimento. Buckhardt percebe que mesmo um homem de erudição como Dante não ficou isento, do que para ele seria a superstição do medievo. De certa forma os estudos empregados pelo poeta na teologia e estudos cabalísticos e matemáticos, tenham fortalecido a sua visão belicista. De toda forma a crise de fé no dogma da Igreja e ao mesmo tempo a valorização do homem pelo livre-arbítrio, se tornaram alegorias na viagem de Dante:

“A crença no governo divino do mundo era, em muitas mentes, destruída pelo espetáculo de tanta injustiça e miséria. Outros, como Dante, rendem-se, em todos os acontecimentos da vida, aos caprichos da sorte, e se, apesar de tudo, mantinham uma fé inabalável, era porque acreditavam que o destino superior do homem seria alcançado na vida ainda por vir. Mas, quando a crença na imortalidade começou a vacilar, o fatalismo ganhou a batalha; este veio primeiro, e aquela foi sua conseqüência” (BUCKHARDT, 1991, p. 313).

De fato a partir do século XV a ideia fatalista de juízo final um dos pilares da mentalidade medieval entraria em fase de degradação. Contudo, a obra de Dante continuaria a se popularizar, já que não era somente o supra natural um dos temas abordados pela obra. O Inferno com Satanás devorando Judas e Brutos ainda tinha um significado muito forte na população. O medo de parar nas profundezas do caldeirão fervente ou no gelo como era o lar do Diabo na obra de Dante, não desapareceria tão facilmente, ainda mais que a crença em criaturas demoníacas e castigos flagelantes era algo conhecido pela maioria do medievo, pois era algo ancestral e que estava enraizado na sociedade laica antes do cristianismo se impor como fé e norma de conduta social.
Quando Dante coloca seus algozes (inimigos políticos em sua maioria) nos níveis mais inferiores do Inferno, ele está apenas representando um modo de comportamento da época em que o homem medieval amaldiçoava e às vezes através de contratualismo invocava as forças místicas para prejudicar o adversário. Também no mundo católico o flagelo e o castigo físico era comum e muitas vezes incentivado. Muitos ‘bruxos’ eram açoitados em praça pública, sofriam mutilações ou eram queimados vivos para purgarem os seus pecados e assim poderem salvar a alma da danação ou continuar a sofrer no Inferno, como bem coloca o próprio poeta ao descrever em sua poesia, as torturas sofridas pelos seus inimigos pelos demônios no Malebolge (cova maldita): “De uma e outra banda, sobre a rocha tétrica, demônios corniferos apressam a marcha dos condenados, açoitando-os pelas costas com grandes azorragues. Ah! Quão rápido moviam eles os calcanhares logo ao primeiro golpe! Nenhum esperava pelo segundo, muito menos pelo terceiro” (DANTE, XVIII, pg. 67).
De acordo com o tradutor Hernani Donato da edição da Divina Comédia (1993, pg. 17) o poema do Inferno foi composto durante o período da Páscoa. Segundo o tradutor Dante evocava em muitos trechos analogias da viagem do Cristo nas profundezas do Inferno durante o tempo de sua morte até a ressurreição. No caso mais especifico, o poeta dialoga com uma horda de demônios no canto XXI e para o tradutor este diálogo representaria a ida do poeta a Roma para expurgar seus pecados (o ritual do jubileu). Esta alegoria entre Dante no Inferno enfrentando o inimigo ao mesmo tempo em que Cristo parte da vida terrena para salvar a alma humana das garras de Lúcifer coloca tanto a questão do humanismo, onde o homem se salva por si mesmo, como ao mesmo tempo fortalece a fé no dogma da morte e ressurreição do messias. O ato de tentar sobressair ao mesmo tempo em que tenta permanecer sob as forças místicas seria fortalecida nos períodos seguintes em que o Renascimento fosse ganhando espaço na Europa.
Alguns símbolos que Dante foi colocando em sua obra são tão pessoais e específicos que somente o público de época os entenderia. Por isto, para o leitor contemporâneo muitos pontos da obra se tornam opacos. As camadas mais superficiais do grotesco e do mágico ficaram obscurecidas. Em todo caso, o belicismo é evidente, mesmo que a maioria não entenda a mentalidade medieval ou se detenha aos detalhes mais minuciosos da obra. De toda forma a mentalidade medieval parece ter se perdido com a crise da cristandade, a hierofania e o belicismo, ainda permeiam o inconsciente coletivo. As catástrofes naturais e as atitudes humanas, que beiram ao animalesco (homicídios, guerras...) fazem o hominis modernus invocar o mundo místico para obter respostas ao que lhe parece inconcebível. E é somente por estas características que a obra de Dante parece tão próxima e ainda desperta uma atualidade. O mundo Ocidental não se desprende da Cristandade, pois ela é um emaranhado de elementos amalgamados como uma raiz que se estende sob o solo.
Se a Divina Comédia de Dante exalta a salvação e a escolha diante de Deus e do Diabo, os trabalhos pictóricos de Hieronymus Bosch não parecem ter a mesma exaltação. Seus retábulos focalizam o que Martinho Lutero acreditava ser o problema do homem moderno que questionando a fé cristã caminhava para atitudes heréticas de cunho racional. A descrença na Igreja seja pelas atitudes de papas como Borgia ou o enriquecimento de mosteiros de irmãos mendicantes, criou na Itália pós-Dante e nos Países Baixos laicos uma aversão ao catolicismo vigente. Instalou-se então o que seria para os crentes uma sociedade de devassidão e de pouco temor a Deus.
Para a comunidade pequena onde Bosch se encontrava sua obra seria um caleidoscópio do comportamento degradante da época. Como um profeta bíblico ele catalogava cada ação humana e para cada uma delas ele traduzia flagelos e castigos como um juiz incorruptível. Porém, as imagens de Bosch são muito mais que as criaturas grotescas que saltam aos olhos. Na analise das Tentações de Santo Antão realizada no capitulo III, foi colocado uma lista de ícones que são presentes não somente nesta obra, mas também em outras feitas por ele.
Corujas, peixes e ratos aparecem constantemente em sua obra. Cada figura que Bosch usa é um elemento que diz algo além do que a sua aparência por vezes costuma traduzir. No trabalho de Bosch, o peixe não é um alimento ou espécie marítima. Um instrumento musical não é utilitário para produzir música, como bem falou Hilário Franco Junior anteriormente a mentalidade medieval permite tais características, não é de se estranhar que a imagem da maçã como símbolo do pecado tenha se tornado conhecido a partir desta época. O homem medieval necessita de símbolos para se expressar. Sem isto não haveria a transmissão de conhecimento entre os indivíduos. Ainda mais que uma grande parte da população não tinha contato com a literatura. Ler as imagens era o meio do indivíduo reter conhecimento nas pinturas e relíquias de santos nas paredes das igrejas.  O simbólico transpassava os fenômenos naturais e ganhava concretude nas pinturas. Os incêndios presentes nas obras de Bosch poderiam muito bem ser uma evocação do poder das forças da natureza que tinham a aparência do fogo incontrolável. O Inferno de Bosch ao contrário do de Dante, tem mais características do mundo terreno. Poderia ser a própria cidade do pintor que de tanta devassidão se transformasse na casa do Diabo. Se Dante transporta seus inimigos ao Inferno, Bosch traz o Inferno para os seus desafetos.
Segundo o estudioso Dagoberto Markl (1994, p.84), a iconologia de Bosch é quase incompreensível para os dias de hoje. Tanto que para compreendê-la ele sugere que teria de haver um contato com a mentalidade da comunidade da época em que o pintor viveu (Brabante). Os holandeses tinham seu modo de comunicação e usavam expressões e ditos populares como meio de transmitir sua visão de mundo. O dito popular com todo o empirismo do camponês gerava a leitura alegórica e as mensagens ocultas de Plutarco.
Oculto para o homem contemporâneo que tem dificuldade de penetrar nos retabulos boschinianos, para Kayser muitas obras do artista são de cunho místico com elementos alquímicos. Como bem colocou Buckhardt (1991, p. 327) o povo apelava para magos e adivinhos e assim assumiam a crença em homens que podiam reter poderes sobrenaturais, alguns obtidos com pactos com demônios ou por graça divina. No caso de crentes fervorosos como Bosch e Dante, somente os homens santos poderiam cruzar os limites do mundo terreno e o além. Fosse Santo Antão ou São Francisco, somente homens com o espírito santo poderiam fazer fenômenos milagrosos. Não é por acaso que Bosch satiriza a comunidade local pintando magos e a platéia na maioria em transe como enfeitiçados pelo demônio. Então talvez, Bosch não defendesse os elementos alquímicos e sim os ressaltasse para que o leitor de sua obra lembrasse de como eles são e como podem ser danosos para a alma no limiar do finalismo, que o pintor avisa constantemente.
Bosch como Dante clamam por um retorno a Deus e as leis cristãs que foram corrompidas seja pelas lutas entre católicos e luteranos sejam pela população que se entrega aos desejos carnais ou pelo humanismo ascético que se ergue em meio aos escombros da combalida Idade Média. As imagens visuais opacas de Bosch descrevem as imagens poéticas de Dante tão eficazmente quanto às gravuras que se apoderaram da poesia com os anos. De certa forma a negação e afirmação de ambos os artistas parece se completarem.



DANTE                     JUIZO FINAL/CASTIGO



BOSCH                    CASTGO/REDENÇÃO

 

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