sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sessão Contos Bizarros: Benção ou Maldição?


Ver antes de todos o que trará o amanhã. Quem nunca desejou saber o que traria o futuro? Para muitos seria um dom e tanto poder saber o que virá. Esta história, talvez, possa provocar um pouco de reflexão sobre este tema.
Dona Marina, no alto de seus 40 anos poderia muito bem ser uma dessas pessoas , digamos, 'privilegiada'. Desde criança já demonstrava sinais prodigiosos no quesito previsão de futuro. Seus pais bastante religiosos sempre levaram os dons da menina muito à sério.
Era comum nos dias de celebração da igreja que frequentavam, levar a pequena para fazer revelações, claro, com o consentimento do padre da cidade, que acreditava que a garota era abençoada pelo poder do Espírito Santo.
A menina começava dizendo o que tinha visto em sonho e depois os traduzia, assim como o famoso personagem bíblico José do Antigo Testamento. Os sonhos eram descritos com total realismo e com um pouco de teatralidade. Geralmente quando no sonho aparecia algum animal selvagem como um lobo, a menina traduzia como um homem; ou no caso de uma serpente, uma mulher.
Quando havia imagens avermelhadas, a tradução era de sangue o que podia ser a morte de alguém. Também escuridão ou luz poderia ser a morte e barulhos de água o nascimento de alguma criança. Enfim, somente Marina sabia o que seus sonhos significavam e todos que a escutavam acreditavam piamente no que ela falava.
Um dia ela previu que a sua vizinha teria um câncer no útero. Dito e feito! A vizinha realmente teve a maldita doença e depois de muita luta morreria em um hospital. Depois um rapaz que era bem quisto pelo seus trabalhos como voluntário em uma creche foi acusado por Marina de ser pedófilo. Com o dom de premonição o rapaz foi descoberto e realmente a policia soube que ele havia cometido crimes terríveis contra crianças.
Durante toda a sua vida Marina usou seus poderes para ajudar a comunidade de Passo Fundo, onde morou a vida toda. Mas, como qualquer mortal ela tinha suas necessidades. Queria casar e ter filhos, e por fim conseguiu. Casou com um caminhoneiro de nome Antônio e teve 2 filhos gêmeos: Tiago e Pedro.
Vivendo em uma casa simples e com quase nenhum luxo, Marina nunca pensou em usar os dons que Deus lhe deu para se enriquecer ou qualquer coisa do tipo. Qualquer pessoa podia ir até a sua casa a qualquer hora do dia e perguntar sobre um sonho para ela falar.
Seus dois filhos com muito esforço  entraram na faculdade. Sempre dispostos a fazer o melhor resolveram seguir profissões distintas: Tiago fez Medicina e Pedro se tornou advogado. Os garotos se casaram e deram para os pais muitos netos.
A vida poderia ser muito bonita para Dona Marina. Porém, como todo mundo, existem pedras no caminho na trajetória até de pessoas abençoadas. Um dia ela teve um sonho muito estranho. Acordou suada e com dores de cabeça. O sonho era tão estranho que Dona Marina tremia como uma vara verde. O coração palpitava aceleradamente. Seu Antônio, teve que lhe trazer um copo d'água com um pouco de açucar.
Depois de dar uma boa golada, Marina respirou fundo e passou a mão sobre a testa molhada de suor. Seu marido bastante preocupado perguntou o que era. A senhora com voz tremula dizia que havia predito a morte de alguém da família.
O sonho se apresentava da seguinte maneira:
Havia uma estrada que parecia sem fim. Na estrada feita de terra havia manchas de sangue rubro. O sangue derramado vinha de um bezerro. O animal estava estirado na estrada e com muito sangue saindo de sua boca.O céu estava coberto de nuvens escuras, parecia que ia chover. Um enorme abutre pousou sobre o cadáver ensaguentado. A ave agourenta começou a bicar o olho do bezerro morto. A chuva começou então a cair sobre o abutre e o cadáver e ambos ficaram molhados. No fim uma escuridão veio e o sonho terminava alí.
Marina terminava de ditar o sonho olhando fixamente para a parede do quarto. Seu Antônio ficou atônito e falou sinceramente que não entendeu nada do que ela falou. Marina então olhou para o marido e disse assustada: 'Meu filho Pedro vai morrer!'
Seu Antônio antes de casar com Marina sabia de seus dons de premonição e acreditava neles. Mas, nesta hora ele preferiu duvidar da mulher. Dizia que ela estava delirando e que seu filho não iria morrer. Marina não se deu por vencida e pediu para o marido ligar para o filho imediatamente.
Seu Antônio ligou. Para a sua surpresa a nora foi quem atendeu. A moça disse que seu marido não se encontrava pois, devido a compromisso do trabalho havia partido à poucas horas de carro e não sabia quando retornaria. O engasgo veio na garganta e seu Antônio começou a ficar tremulo. Poderia a esposa estar certa? Perguntou para onde ele foi e a nora disse que ele partiu para São Paulo.
A distância de Passo Fundo para São Paulo era grande. Seu Antônio não sabia o que fazer. Dona Marina então desesperada disse para ir atrás dele. O velho vestiu as roupas e saiu no caminhão em desabalada carreira.
Dona Marina se agarrou ao terço que sempre tinha na comoda da cama e pedia a Deus que o seu sonho não se realizasse. O tempo passou e quando Dona Marina percebeu já era dia. Nem o marido e nem o filho deram sinal. A preocupação começou a tomar conta de sua cabeça. Para tentar se distrair resolveu ligar o televisor que tinha na sala. Enquanto assistia o telejornal matinal, o telefone tocou.
Dona Marina disse um 'alô' com voz embargada. No outro lado da linha uma voz masculina se ouviu. Era Pedro quem estava ligando. A senhora ficou aliviada e com voz rouca perguntou se o filho estava bem. O rapaz disse que estava a poucos quilômetros de seu destino.A viagem foi tranquila e que era para ela ficar calma.
Dona Marina fechou os olhos e sorriu. Pela primeira vez seu dom de premonição falhou, pensou consigo mesma. De repente o telejornal resolveu anunciar um fato de última hora. O apresentador com voz grave e tom sério disse que um acidente havia ocorrido durante a madrugada. Um caminhão bateu em um ônibus de excursão que vinha em sentido contrário.
Ninguém havia sobrevivido. A foto de algumas vitimas apareciam e para a surpresa aterradora de Dona Marina, o seu marido Antônio apareceu na tela. Dona Marina largou o telefone no chão e ajoelhou-se pedindo a Deus que tirasse dela o dom que agora mais lhe parecia uma maldição!




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