quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Projeto de Pós-Graduação X: Final

Finalmente se encerra a postagem da minha monografia de pós. Espero que ela auxilie na pesquise e como instrumento de inspiração para quem quer fazer sua monografia. Peço que não copiem o meu trabalho pois sabe-se que por lei da ABNT, qualquer pessoa que apresentar um trabalho que seja plágio ou cópia é passivel de punições legais juridicas:


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O medo do desconhecido, a crença no que não é explicável, um amálgama de culturas que mesmo opostas aparentemente tinham como elementos comuns à fé no mundo mítico é possivelmente o modo de entender as obras de Dante Alighieri e Hieronymus Bosch. Um poeta e um pintor que cronologicamente longe um do outro tinham muito em comum por estarem em uma Era de transformação.
A poesia de Dante com o todo seu detalhe minucioso, sua forma de expressar o modo operandis do homem do seu tempo, tornou a Divina Comédia o olhar de seu criador. Um emissor de mensagem. Uma crônica que para o homem de nossa Era revela uma Idade Média com suas características que podem para uns exibir uma lembrança romântica, um idealismo de honra e amor, que somente poderia ter existido naquela época. Para outros um exemplo em forma de palavras, e evocação poética de imagens de fanatismo, ou crença no hierofânico, algo que a razão condena.
O mesmo se pode explorar nas obras de Bosch. Seus retábulos avermelhados e tenebrosos cheios de movimentos eróticos, frenéticos e atordoantes. Seus monstros que transpiram alegria em ver a dor no rosto dos desafortunados na chama do Inferno. Os corpos nus que por terem se rendido aos desejos carnais e que ganham toda a observação de um voyeur, que se regozija com os castigos dos que não seguem a lei de Deus. Poder sentir-se incomodado, quando por traz de toda uma beleza plástica da pintura está o sentimento de asco de um homem para com a humanidade que para ele, está corrompida.
As pinturas dos Países Baixos em especial de Bosch e Peter Bruegel, não procuram ocultar o medo da ira divina, mas ao mesmo tempo acreditam na Justiça de que os bons subirão aos céus e os maus cairão nas labaredas do Inferno. Quem seguir a Deus corretamente terá recompensas espirituais, os que não o seguirem ou o desafiarem padecerão para todo o sempre. Um maniqueísmo que brota de um belicismo da Cristandade ainda pertencente ao inconsciente coletivo. É neste deus não amável e vingativo é que Bosch e Dante depositam as suas esperanças. Em meio a crises teológicas e ao abraço do homem a ciência, tanto o poeta quanto o pintor percebem no vento da mudança, uma tempestade que destroçará toda uma civilização. O fanatismo que sempre aparece diante de fenômenos incontroláveis da natureza ou quando ocorrem em momentos de explosões de fúrias sociais e políticas.  A Cristandade que plantou o medo do desconhecido nunca deixou de germinar e dar frutos no mundo Ocidental. É talvez, por isto, pela mentalidade medieval que carrega o homem contemporâneo, que este incontrolavelmente dirige-se às obras de Bosch e a poesia teológica de Dante. Um rebuscar ora cheio de romantismo, ora crítico, porém curioso e por que não dizer comovente nos dias de hoje. Basta um terremoto, uma guerra, uma crise política que provoque uma turbulência no dia a dia ‘pacífico’ e correto, para a evocação da hierofania e o belicismo.
Todos os elementos bíblicos de castigo divino voltam na lembrança do homem como um alerta de que algo está errado. Quando Bosch retrata as tentações sofridas por Santo Antão no deserto, ele está antes de tudo criando uma obra de cunho pedagógico onde a catequese prioriza ensinar ao homem que deve se preparar para uma luta por sua alma. Uma luta que até que então estava ocultada em meio aos fenômenos hierofânicos, guerras santas e crise religiosa: Deus e o Diabo degladiando-se pela Criação.
Bosch como um “profeta” que usa da técnica da pintura assim como um profeta bíblico antigo usava da escrita para fazer revelações, expõe em imagens todo o temor que o homem do medievo tem da morte e da vida além. Cada revelação adquire detalhismo para que o crente continue no caminho da fé e não vacile e o não-crente mude de opinião, se converta para assim não mergulhar no pecado mortal que o levará ao castigo.
Enfim, a pintura de Bosch se torna didática, como uma tentativa de educar o pagão no caminho cristão. O didático não é somente característico nos trabalhos boschinianos. Na poesia de Dante, que tem seu epstema na teologia de Tomás de Aquino e na cultura grega, seu modo de ensino ao medievo italiano, as conseqüências do homem no mundo terreno serão pesadas na balança do Juízo Final.
Toda a ação tem uma reação para o poeta: os que foram maus para com Dante ou descumpriram a palavra de Deus foram lançados no fogo eterno. Mesmo aqueles que podem ter a qualidade do amor, mas se este sentimento viola as normas divinas sofrem castigos. Por outro lado os que conhecem a Deus e cumprem os sacramentos da Igreja, mesmo se corrompendo durante o caminho da vida, podem ter um lugar verdadeiro no céu celeste, desde que este seja legitimado pelo carita, que não se apega à carne ou a lascívia. Neste caso o amor platônico entre Dante e Beatriz.
Se Dante apóia seu seguro lugar no Céu no amor a Beatriz, Bosch somente apóia seu amor a sua devoção como crente fervoroso às leis. Poderia também, dizer que ele usa o anacoreta Antão como um espelho enquanto Dante vê na sua musa uma projeção da fé redimida depois de lutar contra a sua religião e seguir os caminhos “errados” da vida. O amor legitimo e virginal e a busca pela santidade poderiam ser aquilo que talvez o homem cristão do medievo mais almejasse. Cada vez mais mergulhado em guerras e esperando a descida do salvador, para lhe tirar do mundo sofrido em que se encontrava. O apego ao contrato com o sobrenatural e a supervalorização do poder místico sobre as ações humanas seja, o que vinha das estrelas, das bruxas, da alquimia... Da fé nos ditames cristãos, que para homens como Dante e Bosch seriam as únicas soluções para a atormentada alma do medievo.
Mas o que as obras de Bosch e Dante tem a dizer para nós homens e mulheres da contemporaneidade? Mesmo a distância que existe entre nossa época e a deles ser evidente em termos de modo de pensamento e tecnologia, ainda temos o belicismo como elo de ligação. Com todo o avanço cientifico, que desmistificou muitos mitos que eram sustentados pelo não saber, o homem ainda não obteve respostas para questões ainda milenares. As questões referentes a alma e a morte, passaram a não ser mais temas de teologia ou filosofia. A ciência as abraçou (não se estuda o universo somente pela curiosidade de ver as estrelas, mas, porque delas o homem procura saber sua origem) e tenta dar respostas, digamos, de cunho concreto. A psicanálise disseca nosso comportamento, que para os antigos era regido por forças ocultas.
Por que mesmo depois da psicanálise e dos aceleradores de partículas e estudos de doenças tidas como incuráveis ainda se crê em Deus e no Diabo? Porque até o momento o mundo contemporâneo com seus computadores e televisores e livros científicos não acalentaram nosso medo do vir depois da morte. O mesmo medo que o homem do medievo que não tinha luz elétrica tinha do escuro da floresta é quase o mesmo do homem que possui internet e assiste estarrecido a catástrofes naturais e guerras via TV.
O finalismo que é impulsionado pelo belicismo transparece em dúvidas de como o homem mesmo tendo evoluído (segundo Patrick Gadner e seu desenvolvimento da inteligência humana) não consegue se desprender da luta do bem e do mal. E se mesmo não houvesse uma crença nas forças sobrenaturais o fascínio que o tema desperta em forma de filmes, livros e imagens que remontam o medievo não é totalmente entendido. A Idade Média carrega toda as incoerências humanas: o medo do desconhecido e a vontade de conhecer que leva as navegações, o medo de pecar e ao mesmo tempo quebrar as leis ditas divinas instituídas por uma força terrena (a Igreja), o medo de ir para o Inferno e a esperança no Paraíso.
Esses impulsos de negação e afirmação de ir e voltar não são somente uma característica da Idade Média. A nossa identificação com o camponês ou com o pensador do medievo é muito forte porque o nosso comportamento ainda é semelhante. Para cada evolução científica temos um medo de que tudo possa dar errado ou que estejamos burlando alguma regra de ordem superior. Para cada mudança social é necessário um caos gerado pela transição de um modo para outro. Esse caos não nos é digerido facilmente, pois não sabemos os resultados imediatos dele. Quando as obras de Bosch e Dante chegam por meio de suportes midiáticos (TV, cinema e revistas em quadrinhos) ficamos talvez aliviados em perceber que o medo do desconhecido não é uma preocupação somente de nossa geração. Os demônios e flagelos boschinianos e dantescos são tão vivos diante de nós que poderiam ser palpáveis. E é esta capacidade de parecerem tão reais que seja apelando para o imagético ou para as palavras que nos aproximam de um passado distante que não desapareceu com a Cristandade. Ao final de tudo os medos do camponês e do homem modernos são os mesmos porque não temos certeza de nada sobre a vida e a morte e muito menos da existência de Deus e do Diabo.






 


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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