sexta-feira, 1 de maio de 2015

Sessão Contos Bizarros: O Filho Acorrentado


Foi no interior de Manaus que se espalhou a história de seu João Neto. Homem do campo e que vivia longe da cidade. Seu João era baixinho, de nariz grande e com uma cicatriz aparente na face, também era coxo e tinha surpreendentemente braços musculosos. Com tal aparência parecia difícil que ele viesse arrumar um par algum dia.
Por sorte casou com dona Toninha, que assim como seu João Neto, não era lá muito bonita, porém era muito prestativa e como dizem no interior 'bastante trabalhadeira'. O casal vivia em uma casa simples com poucos moveis e tendo como protetor um cachorro magro e fedorento de nome Sultão.
Os dois tiveram 7 filhos, todos meninos, e todos morrendo um por um de forma trágica. Somente o sétimo filho sobreviveu. Os poucos vizinhos que os conheciam nunca viram o seu filho, e até achavam que o casal estava inventando-o, já que ninguém o tinha visto.
Contudo, era comum perto da casa deles ouvirem gritos e barulhos estranhos. A quem diga que podia ser um fantasma, para alguns podia ser um cão do mato ou coiote, e na pior das hipóteses uma onça.  Os gritos às vezes, pareciam insuportáveis e de tão assustadores que muitos caçadores se comprometeram a ir caçar a suposta fera.
Seu João Neto estranhamente desconversava sobre o assunto. Dizia que nunca ouviu barulho nenhum. Nem um pio de coruja ele ouvira próximo de sua casa. Muitas vezes ficava irritado com as perguntas sobre o assunto. Sua mulher, mais calma, era quem conversava, mas de forma quase que mínima para não chamar a atenção do marido rabugento.
De vez em quando, seu João andava pelas redondezas encima de seu pangaré magrelo e cheio de moscas. Com espingarda na mão ele também carregava um saco pesado. Dentro do saco levava coelhos e capivaras mortas. Com certeza o velho gostava de carne de coelho, poderia pensar a comunidade. Mas será isto mesmo?
Claudomiro era um vaqueiro da região que tinha pouco mais de 20 anos. Costumava pescar no rio próximo a casa de seu João Neto e achava que o velho escondia alguma coisa. Percebia que seu João voltava com o saco cheio de bichos mortos e os levava para um celeiro nos fundos da casa. Ficava quase que 50 minutos lá. Enquanto o velho ficava no celeiro os estranhos barulhos e gritos aconteciam. Depois o velho saia e trancava o celeiro com montes de cadeados e medeiras na porta.
O que será que acontecia nesse celeiro? Com esta dúvida Claudomiro resolveu investigar a casa do seu João. Um dia o rapaz esperou o velho e sua mulher saírem de casa. Mal os dois cruzaram a estrada de chão para fora da propriedade, Claudomiro correu para a casa deles.
Sorrateiramente o rapaz entrou na casa e não viu nada de interessante: duas cadeiras, uma mesa, uma geladeira velha e em uma estante improvisada, uma TV antiga. Satisfeito com que  viu Claudomiro resolveu ir ao que lhe interessava: o celeiro.
Olhou o celeiro e viu que tinha muitos cadeados prendendo a porta. Voltou a casa e não encontrou nenhum molho de chaves. Pensou em como poderia abrir a porta e teve que improvisar uma chave com um arame enferrujado.
Com muito esforço destrancou todos os cadeados e então pode abrir a porta do celeiro. O rangido da porta assustava e uma escuridão era presente no interior do recinto. Por sorte Claudomiro tinha um esqueiro e o acionou para poder enxergar no breu.
A luz iluminou de forma que o rapaz enxergava penumbras e tentava identifica-las. Viu que tinha um armário velho de ferro e o chão batido estava com manchas que pareciam ser de sangue. Também havia ossos espalhados no chão (provavelmente dos bichos mortos que seu João trazia). Sentiu um fedor de podre forte no lugar e quase o vaqueiro vomitou.
De repente algo lhe chamou a atenção: uma enorme corrente estava se mexendo. O vaqueiro deu um engulho e com medo começou a imaginar o que estava preso nela. Tentou focar o objeto com o esqueiro e viu uma figura encolhida gemendo.
Com medo o vaqueiro pegou um canivete que escondia na cintura e se preparou para o pior. Quando levantou o objeto perfurante viu que a figura era um menino de talvez uns 10 anos. A criança soluçava baixinho. Claudomiro ao mesmo tempo que ficou assutado teve raiva em ver uma criança acorrentada em um ambiente daqueles.
O vaqueiro então disse em voz baixa ao garoto:

-Calma menino! Eu vou tirar você dessa corrente.

Quando o vaqueiro iria cometer a ação levou uma paulada na cabeça. Quem desferiu o golpe foi seu João Neto que estava atrás sem ele perceber.
Claudomiro ficou tonto e não entendendo o que estava acontecendo ensaiou um ataque ao velho. Porém, para a sua surpresa o menino o agarrou por trás. O menino tinha uma força descomunal e Claudomiro só percebeu que estava perdido quando viu que a criança tinha  a aparência monstruosa de hibrido mitológico de humano e caprino.
Seu João Neto apenas assistia a cena: seu menino mordendo e dilacerando o pobre rapaz que foi salva-lo. O velho sorriu e então falou:

-Por hoje você já teve seu jantar, meu filho!

Nunca mais a comunidade viu Claudomiro. Dizem que ele saiu da cidade, mas a verdade foi outra. Até hoje na pequena comunidade do interior de Manaus se ouve os estranhos gritos e barulhos mata à dentro.

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