sábado, 28 de março de 2015

Sessão Contos Bizarros


O DIA DA CAÇA

 

Na cidade de Pirapora, Pedro Malta era conhecido por amedrontar a população local. Filho de um fazendeiro rico ele costumava dizer que não temia nada e nem ninguém. Sua fama de matador era muito conhecida e vez ou outra alguém o desafiava para uma luta de faca ou de tiro ao alvo. Praticamente por causa dessas coisas a cidade de Pirapora mais parecia um velho oeste do que uma cidade civilizada.

De certa maneira além de Pedro Malta o que costumava assustar também a população eram os boatos de que uma fera devorava as virgens e animais nos arredores das fazendas e chácaras do lugar. A policia local era diversas vezes acionada toda vez que aparecia um rebanho de bois ou de carneiros feridos ou quando encontravam o cadáver de alguma moça dilacerada por mordidas e arranhados no corpo.

Sem poder dar uma explicação razoável os legistas e os policiais costumavam dizer que o ato era cometido por cães selvagens ou lobos famintos. Nessas situações os mitos acabavam se tornando comuns e alguém sempre citava que aquilo era obra de Chupa Cabra ou lobisomem. Sem contar com os rumores de discos voadores...

Pedro Malta, todo valente, dizia não acreditar em nada e nem em Deus e esperava ansioso um dia cruzar com o assassino de virgens e gado e ganhar mais respeito da população. Imagina as manchetes locais: “Pedro Malta, pega o assassino da região!” de matador e filho playboy do fazendeiro rico ele seria conhecido como herói local.

Enquanto Pedro sonhava em pegar o tal ‘monstro’, seu pai, o coronel Tolentino, era um homem no alto de seus 70 anos, que por ser vivido já tinha visto de tudo nessa vida. Rico e de feições rudes era tão mal e prepotente quanto o filho. Costumava tratar mal os empregados e era comum ouvirem estórias de que quando queria mandava o filho ou algum capataz acabar com a vida de quem não seguia as suas ordens.

Para alegria de Tolentino finalmente Pedro Malta iria se casar. Lucinda era a moça mais bonita da cidade, esteve inclusive nos EUA para fazer seu doutorado em veterinária. De olhos azuis bem convidativos e de cabelos bem longos e corpo escultural era a típica moça bem criada e que tinha tudo o que queria. Por isto, não era qualquer um que podia sonhar ter um encontro com ela. Diziam por aí que por ser bastante ambiciosa e materialista resolveu namorar o filho do fazendeiro mais rico da região. Tirando as fofocas maldosas o que se sabia mesmo é que Pedro pediu a sua mão em casamento e conseguiu!

O casamento seria dentro de um mês e toda a cidade havia sido convidada a participar de uma enorme festa que seria feita na praça da cidade. O padre da paróquia, inclusive, teve que adiar outros casamentos só para satisfazer os mimos do filho do coronel e sua futura nora. Antes do casamento Pedro deu a futura noiva um anel de brilhantes e um relógio de ouro além de um carro importado. Com certeza, com presentes tão chamativos uma garota como Lucinda dificilmente desistiria de casar.

Porém toda a história tem outro personagem, e este se chamava Tiago. Tiago era um peão de boiadeiro muito conhecido na região por participar de campeonatos de rodeio. Boa praça e com cara de galã de novela era disputado pelas moças. O cara era tão famoso que gerou certo ciúme entre os homens da cidade, e claro, de Pedro que achava Tiago um peão ignorante. Diversas vezes os dois tiraram racha de carros e também saíram no braço na porta de barzinhos e boates de Pirapora.

Como em toda cidade pequena a fofoca corre rápido, diziam que Lucinda e Tiago tiveram um caso antes dela oficializar o casamento com Pedro.  O coronel Tolentino não admitia que seu filho fosse motivo de chacota pela cidade, ainda mais que isso manchava a reputação de toda a família. Para que seu filho não ficasse com fama de corno resolveu castigar Tiago.

Em uma noite no fim de uma festa Tiago estava indo para a sua casa em seu carro, quando do nada no meio da pista apareceu uma enorme tora de arvore que bloqueava a passagem. Sem desconfiar de nada resolveu mover o objeto que bloqueava a pista. Foi nesta hora que um grupo de homens capturaram a vitima.

Quando Tiago acordou estava amarrado em uma pilastra de madeira e seus seqüestradores resolveram torturá-lo até a morte. Depois disso nunca mais se ouviu falar do Tiago. Seus familiares desconfiavam de alguma trama feita por Pedro, mas como não tinham provas ficavam calados.

Ironicamente foi quando tal fato ocorreu que começaram a aparecer moças mortas na região junto com o gado abatido. Alguns mais supersticiosos diziam que era a alma do Tiago se vingando da cidade. Mito a parte o casamento estava próximo de ocorrer e tanto Lucinda quanto Pedro estavam afoitos.

Finalmente chegou o dia do casório. A cerimônia ocorreu sem nenhum problema e tanto o coronel quanto o filho estavam satisfeitos com tudo. Depois do casamento teve uma festa com fogos e muita dança sertaneja. A noiva estava radiante com seu vestido branco e caro. Somente a família de Tiago não quis comparecer a festa visto que eles acreditavam que foi Pedro quem tirara a vida dele e não houve nenhuma punição.

Com o fim da festa o casal resolveu ter a sua lua de mel em uma posada próxima da cidade. A posada pertencia ao pai de Pedro, uma espécie de presente para o filho. Ali os dois iriam viver felizes para sempre. Lucinda se preparou para o evento com uma roupa bastante atraente e muito perfumada. Pedro fez o quarto ser iluminado com luz de velas e com um banquete particular regado ao melhor champanha francês.

Antes de se entregarem um ao outro, Lucinda revelou ao esposo que era virgem e que todas as histórias que falavam sobre ela e Tiago eram fofocas maldosas para prejudicar a sua felicidade. Pedro acreditou em seus olhos azuis sinceros e então fizeram um pacto de nunca se separarem.

Porém quando o casal iria consumar o seu amor... Uma estranha figura apareceu no quarto em meio à escuridão. Um ser meio homem meio fera de pelos grandes agrediu ferozmente Pedro que ficou com um enorme arranhão no peito. A mesma criatura agarrou Lucinda pelos quadris e colocando em seus ombros pulou pela janela do quarto!

Enquanto Pedro via a sua mulher sendo seqüestrada pela fera, apareceu os empregados da posada assustados perguntando o que estava acontecendo. Pedro pediu um cavalo e um rifle para caçar a criatura que havia levado sua mulher. Juntou um grupo de capatazes e saíram pela mata atrás do monstro.

A noite passava e Pedro cavalgava desesperado tentando achar a criatura. De repente ouviu os gritos de Lucinda que pareciam vir de uma gruta. Corajosamente o cavaleiro pegou o seu rifle e entrou gruta adentro sem medo. Usando uma lanterna conseguiu andar pelo lugar e encontrar no fim do recinto o monstro e sua mulher.

O monstro olhou para Pedro e parecendo que o conhecia ficou parado. Pedro não entendeu a reação do monstro e em seguida deu dois tiros na criatura. O monstro tombou e seu sangue espirrou pelo chão pedregoso. Os outros cavaleiros chegaram ao local devido o estampido dos tiros. Quando os capatazes chegaram viram a cena mais aterradora... Pedro estava paralisado de medo e surpresa ao perceber que a tal criatura que havia abatido era seu pai!


Dizem na região onde o pai de Pedro faleceu, o coronel Tolentino, é um lugar amaldiçoado, pois falam que quem entra na gruta se transforma em um monstro. Pedro e Lucinda saíram da cidade e nunca mais voltaram. Os familiares de Tiago acreditam que a morte do coronel foi um castigo de Deus pelo mal que fizera a seu parente.

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