terça-feira, 10 de março de 2015
Sessão Contos Bizarros
O ROUBO DE ALMAS
Em toda cultura
existe aquelas pessoas que são portadoras do conhecimento e das normas. Nas
comunidades primitivas existem os xamãs e os profetas. Já em civilizações mais
organizadas temos os sacerdotes e escribas. Não importa o nome e sim, a sua
função social; todos eles guardam informações importantes que são transmitidas
para o resto da comunidade.
Neste caso se
encaixaria perfeitamente a função de contadora de histórias da vovó Piedade.
Senhora com seus 80 anos de vida e de experiência que seriam úteis para
qualquer jovem deste mundo moderno e apressado em que vivemos.
Matriarca de uma
enorme família, vovó Piedade, era um poço de autoridade, mas também de doçura e
simpatia. Todas as vezes que tinha contato com seus netos procurava
aconchegá-los com seus doces e carinhos. Mas a sua popularidade de contadora de
histórias fantásticas era insuperável.
Sempre tinha algum filho ou neto pedindo para ela contar uma história.
Sem falsa
modéstia a vovó adorava isto, não era qualquer um que podia ser conhecido por
contar histórias que fascinavam e até arrepiavam os cabelos de quem a ouvia.
Certa feita ela descobriu que um de seus netos de nome Fabiano estava dando
muito trabalho para os seus pais: brigava na escola e maltratava professores e
colegas de sala de aula, machucava animais indefesos e ainda duvidava da
autoridade dos pais e dos mais velhos.
Um dia antes de
contar a história a vovó tentou conversar com o neto arredio. Mal ela tentou abrir
a boca e o moleque já foi a destratando. A velhinha de inicio tentou ser
compreensiva e manteve a calma adquirida por tantos anos vividos. Porém,
enquanto tentava travar um diálogo o menino no alto de seus 12 anos ficava jogando
vídeo game em seu smartphone.
A velhinha
tentava em vão dialogar com o menino que de birra ficava com o fone de ouvido e
jogando. Sem mais paciência a vovó com suas mãos enrugadas e trêmulas tomou uma
atitude inesperada: tomou o aparelho das mãos do garoto!
Tão surpresa
ficou a pobre velhinha ao ver seu neto soltar palavrões terríveis por causa do
seu smartphone confiscado. Depois desta cena a vovó foi pedir explicações aos
pais do garoto. Com jeito de quem se acostumara com os caprichos do filho os
pais disseram que não podiam fazer nada. A desculpa de que trabalhavam demais e
que por isso não podiam lidar com o caráter do filho não foi aceita pela vovó.
Disposta a dar
uma lição no neto desobediente a vovó foi procurar em seus livros antigos a
história mais assustadora para narrar. Então, na noite do conto lá estava a
vovó piedade em sua cadeira de balanço e com o livro nas mãos. Do outro lado da
sala estavam sentados no sofá os filhos e os netos. Até mesmo Fabiano estava lá
sentado, contudo com a cara de tédio.
A vovó então leu
sobre a história que era comum na velha Inglaterra (que não por acaso era o lar
dela e de seus ancestrais) sobre uma mulher, melhor, uma bruxa que aterrorizava
as cidades rurais no século XIII. Diz a lenda que a bruxa de feições deformadas
e de voz cavernosa atacava as crianças mais indisciplinadas da região. Era só a
criança entrar em sono profundo que a bruxa entrava pela janela ou por um buraco
de rato no quarto da criança desobediente. Enquanto a criança dormia a bruxa enfiava
suas mãos cadavéricas e de unhas grandes na boca da criança. Quando o menino
acordava sentia a mão passar pelo canal da garganta e chegar até o coração.
Depois a bruxa com seu poder mágico retirava do interior da criança a alma. No
outro dia quando os pais encontravam o menino este estava como um boneco sem
vida na cama.
Os netos e filhos
da vovó ficaram boquiabertos e fascinados pela história, menos o maldoso
Fabiano. O menino para desdenhar da velhinha disse que aquela história era
mentira e que nos filmes que assitia na TV conhecia fatos mais assustadores do
que foi narrado por sua avó. A vovó preferiu manter a pose de calma e então
resolveu falar:
-Muitos não
acreditavam nestas histórias até verem pessoalmente a bruxa que rouba almas!
Para terminar o
assunto a vovó disse para que todos fossem dormir com as janelas fechadas para
não serem vitimas da assombração. Fabiano para mostrar que não acreditava na
história dizia que iria dormir com as janelas abertas, pois não havia bruxas
segundo ele.
Deu-se então a
meia noite. Todo mundo estava dormindo e como pediu a vovó todos fecharam as
janelas de seus quartos. Somente Fabiano resolveu em retaliação desobedecer a
senhora. Enquanto o menino dormia, o vento batia na janela e provocava um
zumbido. Chegou um momento em que o garoto não conseguia mais dormir.
Os barulhos
noturnos lhe incomodavam. O som metálico
da janela trombando e os rangidos das dobradiças pareciam na cabeça de Fabiano
insuportável. O menino levantou a cabeça do travesseiro e olhou para a janela
furioso. Queria sair da cama e fechar a janela, contudo ele não o fazia. De repente
lembrou-se da história da bruxa e percebeu que estava com medo do escuro. Deu
um murro no cobertor com raiva de que a sua avó estivesse com toda razão.
Porém, o garoto não estava disposto a dar o braço a torcer. Queria provar a si
mesmo que não tinha medo da história que sua avó contara.
Com todo receio
do mundo foi até a janela e olhando para fora não viu nada além da escuridão e
de uma enorme lua cheia. Enquanto olhava para fora o menino teve a sensação de
que estivesse sendo observado. Olhou para baixo e em seguida para o alto. De
susto ele achou ter visto um vulto acima de sua cabeça. Com medo rapidamente
fechou a janela e correu para a cama.
Esperou algo
acontecer e nada. Fabiano não acreditara no que vira e rapidamente começou a
teorizar:
-Acho que foi a
minha sombra! Não, talvez fosse uma ave! Espera, quem sabe foi minha imaginação?
Enquanto a
resposta não vinha, Fabiano ligou a lanterna do seu celular e olhou embaixo da
cama. Por um momento pensou ter ouvido uma batida debaixo dela. Com as mãos
suadas colocou a luz e viu que não tinha nada além de uma bola de futebol e um
carrinho de brinquedo que ganhara no Natal.
O menino então
deu um suspiro de alivio. Ao mesmo tempo, ficara com raiva de si mesmo por ter
deixado se amedrontar com historinha ‘tão boba’. Colocou então a cabeça no
travesseiro e voltou a dormir. O sonho veio por meio de imagens coloridas e
delirantes e logo Fabiano estava em sono profundo. A janela então que estava
fechada começou a abrir. Da fresta da janela aberta apareceu uma mão com dedos
finos e esqueléticos e unhas grandes e pretas.
A pele da mão era
cinzenta e logo o antebraço também aparecia. Por último veio então a cabeça que
estava coberta por um lenço. A criatura tinha olhos amarelados que apareciam
diante de uma face coberta por uma escuridão. A boca se abria e mostrava um
amontoado de dentes podres e quebrados.
Fabiano dormia
despreocupado enquanto, a estranha figura se arrastava até a sua cama. O
monstro olhava o menino com olhar de maldade. Sem provocar nenhum susto a bruxa
acariciou os cabelos do menino e alisou a sua face. Fabiano dormindo expressou
um sorriso, talvez acreditando estar sonhando com os carinhos de sua mãe. A
bruxa então virou o rosto do menino para cima e então enfiou a esquelética mão
em sua boca adentro.
Os olhos do
garoto então se abriram e espantado ele viu o monstro diante de sua frente.
Aflito Fabiano se debatia na cama, mas nada impedia a bruxa de continuar a
enfiar a mão por sua traquéia. Finalmente os dedos finos chegaram ao coração da
criança que batia freneticamente. A bruxa sorriu e falou com sua voz cavernosa:
- Aí está você!
Achou que eu não encontraria sua alma desobediente? Você irá comigo para sempre
morar na minha casa!
Quando a bruxa
tirou a mão da boca da criança segurava um feixe de luz branco. Pegou a luz e colocou em um frasco de vidro
parecendo perfume. Fabiano ficou de olhos abertos inerte na cama, enquanto a
criatura saia pela janela de forma sorrateira.
No outro dia a
família do menino estava em total atribulação. Todos da família estavam
assustados com a cena do menino paralisado na cama. Os pais da criança chamaram
uma ambulância e socorreram Fabiano. No hospital depois de exaustivos exames os
médicos concluíram que o menino teve um mal súbito raro e que não poderia ser
despertado. Para a classe médica o menino estava em um coma irreversível. Mas,
mesmo com a visão dos médicos os pais de Fabiano não queriam acreditar no que
estava acontecendo.
Enquanto isso a vovó Piedade chorava pelo neto
que perdera, sabendo ela que foi a soberba e orgulho de Fabiano que o levaram a
ser vitima da bruxa que roubava almas.
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