CAVALEIROS E EXORCISTAS
O PALESTRANTE
Era 14:30 quando o carro havia estacionado em frente à Faculdade de História. O professor Helio Medeiros tinha saído da porta de passageiro do carro usando um terno verde musgo e portando uma maleta preta. O seu cabelo grisalho e mínimo lutava contra o vento. Além do terno usava um óculos escuro dando um ar de mistério. Quando chegou na entrada da faculdade foi recebido pelo reitor e pela diretora.
Os três indivíduos haviam-se cumprimentado. A diretora usava uma roupa discreta mais, que deixava a vista em um corte vertical de sua saia as suas coxas roliças. Com seus notados quarenta anos de vida ela sorriu com um ar convidativo e ao mesmo tempo malicioso para o professor Medeiros, que correspondeu com um mesmo sorriso malicioso.
O reitor percebendo os gestos tratou de encaminhar o convidado pondo a mão direita em seu ombro e com a esquerda indicando-lhe o caminho. Após passarem por um corredor não muito longo encontraram uma multidão que estava sentada nas cadeiras do teatro da faculdade. A multidão aplaudia e o professor correspondia acenando.
Ele subiu no tablado e com desenvoltura pegou no microfone. Saltou frases de descontração para ter intimidade com a platéia. O público se entregou a estratégia e riu das piadas, mesmo as mais sem graça. Então o professor tirou os seus óculos escuros e todos puderam ver o seu olhar severo e arrogante. Guardou os óculos no bolso do terno e então iniciou a palestra propriamente dita:
- Vocês vieram me ver por um motivo e eu, não quero decepciona-los!
O publico ficou centrado enquanto Helio Medeiros puxava papeis de sua maleta. O telão que ficava atrás do palestrante foi ligado e então, imagens de iluminuras da Idade Média começaram a aparecer. O professor pegou novamente o microfone e continuou:
-Como constataram, eu publiquei recentemente a minha tese que gerou controvérsia no mundo acadêmico. Durante muito tempo fui taxado de louco e virei alvo de chacota por colegas da academia!
O professor Helio sentiu uma secura na boca e pegou um copo que foi colocado estrategicamente próximo dele em uma bandeja de plástico. ‘Bandeja de plástico!’ Pensou ele. Fingindo não se incomodar pegou o copo e com delicadeza provinciana bebericou. Depois retornou o copo novamente a bandeja e continuou:
-Como eu ia dizendo... O meu trabalho ainda é recebido por duras criticas! Muitos questionaram a veracidade dos fatos!
Alguns acadêmicos presentes na platéia fizeram cara de desdém diante das alfinetadas do professor, em contrapartida estudantes estavam entusiasmados com o discurso.
-A classe acadêmica me pede provas! Eu acho muito justo! Para isto estou aqui, e pretendo apresentar as provas.
No telão apareceu então uma reprodução da pintura ‘O Jardim das Delicias’ do pintor flamengo Hieronymus Bosch. Os estudantes de arte que conheciam a obra começaram a cochichar sobre os pormenores da pintura: homens e mulheres nus dançando e fazendo orgias em beiradas de lagos. Homens alados e edificações fálicas de forma vegetal brotando do chão. Unicórnios e híbridos ocupando espaço com girafas e elefantes. Um cenário totalmente saturado de cores e excessos de minúcias.
-Bosch retratou um paraíso perdido, digno dos relatos dos navegadores do século XIV e XV. Ele fantasiou o que era real e deu um novo rosto!
O professor então passou a mostrar os trabalhos do ilustrador Rugendas e continuou:
-Vejam Rugendas! Retratou o nosso ‘paraíso’. Mas, o que é fantasia? O que é real aqui?
Por um instante o professor Helio fica em silêncio esperando a resposta da platéia. Esta ficou muda. Sem saber o que dizer ficou calada esperando a resposta sair da boca do mestre. Helio resolveu então criar um suspense em dar a resposta e beberiou mais um pouco de água. Enfim, continuou:
-Rugendas retratou o continente latino americano, mais precisamente a nossa terra com um olhar de estrangeiro que lhe cabia. Para ele nossos animais e nossa flora eram dignos das lendas mitológicas gregas. Os navegantes europeus quando estiveram na Ásia diziam ter encontrado unicórnios, pés grandes e demônios. Na verdade o que parar eles eram monstros abissais eram na pura verdade rinocerontes, iguanas e gorilas. Nada mais que isto!
O telão trocou de imagens mais uma vez. Agora mostra uma iluminura do século XIII. Homens portando arpões e com chifres falsos colocados na testa, vestidos com tangas e tinham cabeleiras longas muito parecidos com os homens das cavernas dos livros de historia. Estes seres flagelavam um coitado em uma fogueira enquanto dançavam. Parecia uma cena caricatural e farsesca do Juízo Final.
-Vejamos todas estas imagens! O que elas tem em comum?
Mais uma vez a pergunta foi como uma faca no pescoço da platéia, que em estado de surpresa preferiu se calar ao expor alguma opinião. Helio se sentia poderoso em ver a platéia em seus pés e continuou a discursar:
-Notaram como os demônios desta iluminura e os personagens retratados por Rugendas e Bosch são iguais? Eles representam o homem primitivo, uma clara simbologia religiosa do homem que não tinha o contato com a luz e por isto, era considerado selvagem e escravo de seus instintos animais.
O professor Helio então havia pegado uns papeis velhos que eram reproduções de documentos originais da antiguidade em sua maleta preta. Pegou em um pequeno estojo seus óculos que possibilitavam ver mais de perto e como que havia segurado ar nos pulmões se preparou para ler. Antes, porém, falou:
-Tenho em mãos um documento raríssimo! Tratasse das cartas de um monge franciscano que esteve em nossas terras antes de Cabral!
O publico fez uma ‘cara’ de desdém, principalmente os acadêmicos, achando que era uma das piadas que o palestrante fez quando entrou no teatro. Helio com o seu olhar duro falou:
-O monge se chamava Francesco. Foi o escritor italiano e por isto a sua carta esta em dialeto toscano como as obras de Dante. Isto prova que foram os italianos que estiveram aqui primeiro antes dos portugueses. Não posso deixar de citar que as cartas possuem toda uma visão de uma época e quando eu a ler quero que tentem imaginar o que o autor estava pensando e presenciando quando escreveu suas cartas. O professor Helio enfim, impostou a voz e começou a ler os documentos históricos para a platéia em silêncio.
A VIAGEM
O mar revolto parece querer nos engolir. Poseidon com toda a certeza nos espeta com seu tridente e deve estar sorrindo de nossa má sorte agora! Não sei há quantos tempos estão navegando. Não sou bom em náutica, mas posso perceber que deva ser a nossa segunda Páscoa comemorada neste navio.
O capitão de nosso galeão parece me um desastrado, sem os dentes e com uma verruga enorme em frente de seu pontudo nariz. Nem mesmo a criatura mais grotesca de uma igreja gótica dos francos conseguiria ser mais assustadora.
Vossa Santidade deve saber que esta é minha primeira viagem e que por isto, estou tendo impressões pessimistas sobre nossa empreitada. O monsenhor Aquiles parece o mais firme de nós. Não é por acaso que é o nosso líder! Ele cruzou muitas fronteiras e como ex-templário cavalgou em seu corcel pela Jerusalém para calar a boca dos seguidores do Maomé, descrentes em nosso Senhor Jesus!
Sua espada abriu muitas barrigas árabes e fez muitos hereges gritarem pelo nome de Cristo! Nunca tirei a vida de ninguém e tenho duvidas se teria tal coragem. O medo de empunhar uma espada me fez declinar em ir para a última cruzada. Contudo, minha Santidade, quero deixar bem claro que o medo de empunhar uma espada não é maior que minha coragem em ir neste galeão fétido e trazer de volta para o seio da madre Igreja a Coroa de Cristo!
Que a mão do contraventor que tocou em tal relíquia caia como a de um leproso! Como pode alguém levar a maior prova do amor do Filho de Deus por nós? Como essa criatura deixou-se levar pelo sopro do Maligno em seus ouvidos e não lutou contra os seus instintos de soberba e vaidade?
O navio balança demais e penso que a minha grafia ficara turva para a leitura de Vossa Santidade quando ler a minha missiva. O tempo em um navio e deverás cansativo: a paisagem da imensidão do mar nunca muda, algumas gaivotas fazem rasantes e o Sol brilha a ponto de cegar nossos olhos. Os marinheiros que velejam há anos têm um gosto diferente do meu para apreciar tal pintura.
Como não há o que fazer pego o meu caderno e escrevo para relatar a viagem. Passamos há poucos dias atrás em uma ilhota que parecia convidativa. Os nativos eram gentis e podemos assim abastecer a nossa barca com mantimentos. Não sabe a nossa alegria...A comida de nosso navio jaz havia acabado há um ano! No desespero de aplacar a fome devoramos um rato que estava há muito tempo nos importunando no convés! Se não fosse uma criatura de Deus diria que o rato era cria do demo! Sua carne era dura e jamais aplacou totalmente a fome. A ilha onde passamos tivemos sorte e encontramos tudo o que precisamos. Deixamos para os nativos uma cruz na praia como sinal de que Cristo os abraçou.
Espero agora que cheguemos ao nosso destino. O capitão nos revelou que o navio dos renegados de Atila está bem próximo! Não há muitas ilhas próximas e se não tivermos cuidado poderemos cair no abismo no fim do mundo!
Monge Aquiles
Monsenhor Aquiles passou o dia olhando o mar, com um semblante distanciado. Enquanto eu e metade da tripulação estávamos exausta da viagem, o monsenhor Aquiles mantinha o seu vigor. Alto e de braços fortes e rosto barbado, calvo e rude, ele poderia ter sido um lenhador se não tivesse optado pela erudição.
Chegou a escrever uma tese sobre a alma, segundo a qual contestava Dante. Porém, disse não saber quando irá publicar, talvez quando retornarmos da viagem com a coroa de Cristo em posse sentirá motivo para escrever mais.
Sua idade não nega os anos de experiência que transbordam em seus cabelos. Antes de ser monge, atuou em muitas batalhas! Foi soldado da cavalaria dos Borgias. Esteve em duas cruzadas: a ultima lhe deixou como cicatriz e um corte na coxa esquerda que o deixou manco. Mas, enganasse quem pensa que ele perdeu a sua agilidade de leão! Alguns monges falaram que ele ainda treinava com sua espada no mosteiro a escondidas. Mesmo depois de fazer o voto de pobreza e mansidão ainda demonstra índole violenta.
Isto é bom! Prefiro que ele mantenha a vontade de matar, pois não sabemos o que os renegados templários podem nos trazer de dificuldade. Foi por sua habilidade na espada e na estratégia que o clero convocou para o resgate da relíquia e a cabeça em ponta de um lança dos ladrões de igreja.
Muitos relataram que ele não queria vir pra esta viagem, mas não se diz o contrario quando o papa convoca! Monsenhor Aquiles resolveu reunir os melhores soldados que conhecia, alguns mercenários e claro ex-templarios monges que como ele estão preparados para qualquer imprevisto.
UMA ILHA DIFERENTE
O sol estava nascendo novamente quando um marujo desceu do mastro do navio. Ele estava ofegante e como um leão saltou próximo do capitão. Este não gostou do susto e prometeu que se o marujo fizesse aquilo novamente seria lançado ao mar, e deixaria que Poseidon ou Cila tomasse as providências.
O marujo então emendou as apologias com um ar de satisfação. Apontava com a mão direita em direção onde o Cinturão de Orion aparece à noite, na verdade era mais fácil saber que ali se encontrava o Cruzeiro do Sul, segundo os meus escassos estudos de astrologia.
De toda forma para onde o marujo apontou poderia haver uma ilha segundo o que contara. O capitão pensou logo nas Índias e começou a sorrir. Encontrar as Índias seria uma recompensa, por tanto cansaço e aborrecimento por esta viagem.
Monsenhor Aquiles soube rapidamente da noticia e pediu que seus soldados se preparassem. Chegou no capitão e lhe pediu informações sobre a distância real de nosso barco em relação à ilha. O capitão disse que estávamos a 100 braçadas e que tão logo aportaríamos na praia.
Como o capitão dissera, após as 100 braçadas já se avistava a ilha, que por sinal, tinha uma praia extensa: o nosso olho não conseguia ver o fim da ilha, uma enorme linha verde sobre o mar. O capitão mandou descer um barco de reconhecimento com a missão de caso encontrar algo na praia todos fossem sinalizados. Mandou para isto uns marujos.
O barco desceu e os marujos colocaram seus braços musculosos a serviço de remadas vigorosas que feriam a água. Chegando a praia eles cautelosamente desceram do barco e olharam para os lados esperando o ataque de algum animal ou nativo.
Sinalizaram com uma tocha. O capitão resolveu então aproximar o navio mais próximo da praia, até encontrar segurança para mandar lançar a ancora. ‘Ancora ao mar!’ Gritou o capitão. Os marujos seguiram a ordem e jogaram o metal que com seu peso foi ao fundo do mar levando consigo um bom metro de cabos.
Monsenhor Aquiles chamou Michelangelo que com o seu olhar severo veio em direção do monge-mestre. Aquiles lhe disse para preparar nossas bagagens e que certificasse se tínhamos armas suficientes para aportar. Michelangelo chamou Henrico e Bonelli, dois outros monges, para ajudar a guardar nossas coisas. A minha missão era ainda registrar tudo como de costume com a pena e o papel na mão. Nada passava em vão pelos meus olhos e ouvidos!
Após todos os procedimentos necessários para deixar o navio até a prancha descemos na praia. Quando pus os pés em solo quente e arenoso senti um desconforto no inicio para depois ter um alivio que subiu dos calcanhares até a cabeça. Poderíamos ter chegado às Índias? E se for as Índias, o que acharemos aqui? Será que os renegados estão por esta região? Muitas perguntas que podem não ter respostas.
Bonelli com seu ar afeminado disse que a vegetação de tão verde lhe parecia um vestido de cetim de uma condessa italiana. Para mim, este verde era tão variado que as florestas de Florença não poderiam produzir tanto encantamento para um pintor. Leonardo Da Vinci com certeza veria suas obras com inferioridade diante de tantos matizes.
O capitão disse que talvez não fosse prudente adentrar a mata se não tivéssemos certeza que ali não seria um abrigo para criaturas estranhas. Em pensamento oposto Aquiles e Michelangelo preferiram se agarra a Bíblia e empunhar a espada e direção à mata. ‘Se Deus nos trouxe aqui, deixemos que Ele nos proteja’.Disse ele Aquiles.
Os marujos foram na frente e com facões iam mutilando as árvores e seus galhos que pareciam no caminho. Enquanto o capitão segurava um sabre e uma tocha em ambas as mãos. Aquiles, Michelangelo e Henrico juntos de dez mercenários ficavam de prontidão segurando suas espadas cada um. Eu ficava atrás segurando uma espada, algo que me é desconfortante, pois não gosto de armas!
Seguimos em frente e percebemos que estranhos pássaros voavam sobre nossas cabeças: aves coloridas de todos os tamanhos e formas e pequenos seres peludos menores que macacos normais pulavam sobre galhos mais altos das enormes árvores e suas frondosas copas. Nunca havíamos visto beleza tão intimidadora!
De repente começamos a ouvir um barulho que se tornava mais alto. Um vento frio batia em nossos corpos umedecendo nossas roupas. A cada passo que dávamos nossas roupas pareciam ficar encharcadas. Um cheiro de terra molhada subia para nossas narinas.
Os marujos pararam de caminhar, o capitão ficou afoito: ‘O que foi?’ Perguntou ele. Um dos marujos disse que ali poderia ter uma nascente de água. Os marujos então voltaram a cortar os galhos e derrubar arbustos até que, finalmente deixou em descoberto uma paisagem lindíssima com uma cachoeira diante de nós.
Todos ficaram fascinados pela imagem que mais parecia uma pintura! Os marujos guardaram os facões nas bainhas e começaram a lamber os lábios, desejaram beber da água da cabeceira e nadar no riacho. O capitão olhou para o alto para ver a altura da obra natural feita por Deus. Disse a Aquiles que poderiam aproveitar o momento para tomar um banho e descansar.
Aquiles enviou a ordem para os homens largarem as armas nas rochas e tirarem as roupas para se refrescar na cachoeira. Imediatamente todos fizeram a mesma ação. Alguns mercenários mais afoitos pularam com roupa e tudo na água. Neste momento qualquer homem feito age como criança e brinca com a água cristalina.
Por algumas horas com os corpos mergulhados esquecíamos da viagem incomoda e até a missão de encontrar os renegados parecia ter desaparecido de nossas almas. Aquiles ficou sentado em uma pedra e parecia ainda não esquecer o que nos trouxe até ali.
Estranhamente uns pássaros que se encontravam em uma copa de arvore no alto da cachoeira voaram de forma estabanada. Um esquisito grunhido ecoou pela paisagem parecendo um trovão! Aquiles agarrou o cabo da espada e se preparou para o pior. O capitão saiu da água e também fez o mesmo.
‘É um trovão!’ Perguntou assustado o capitão e seus marujos. Aquiles olhou para Michelangelo e Bonelli se apegou ao terço para invocar orações. Novamente um grunhido se fez e então o que parecia impossível aconteceu!
Do meio da mata uma estranha figura de homem e besta com pêlos saiu com suas garras enormes. Um dos marujos gritou: ‘Uma fera dos Infernos chegou, fujam!’ Enquanto um outro foi atingido na face pela garra da fera esfacelando-a e manchando a água do riacho de sangue!
Um outro marujo em reação de desespero e raiva tenta esfaquear o monstro! Parecendo não sentir nada a besta virou o seu corpo, e no mesmo instante com as garras também acertou o marujo no pescoço fazendo um esguicho!
Assustados, os monges e os mercenários com o capitão correram em direção a mata. Parecendo magia apareceu outra fera! Dois monstros começaram a grunhir e nos acuar. Aquiles disse para fazermos posição de retaguarda como os espartanos fariam contra Xerxes. Infelizmente, poucos estavam com escudos e lanças. As feras como se percebessem o fato nos atacaram e como moscas éramos derrubados!
Michelangelo com sua habilidade na espada conseguiu ferir uma das bestas no flanco esquerdo! Aquiles aproveitou a distração da fera e a feriu bem no meio do peito. O monstro deu um grunhido de dor e então revirando os olhos tombou sobre as pedras.
A outra fera então com mais fúria matou o ultimo membro da tripulação do navio que se distraiu com tudo. Dois outros soldados do grupo de Aquiles avançam contra a besta achando que agindo da mesma forma intimidarão a criatura. A besta cada vez mais enfurecida acerta os soldados com suas garras e pisadas!
Aquiles grita com seu tom de general de batalha para que todos saiam da água imediatamente. Confesso que neste momento eu não sabia o que fazer. Fiquei atônito ao ver que duas criaturas tão desconhecidas haviam tirado a vida de tantos homens em tão pouco tempo! Se eu ouvisse tal historia pensaria que fosse uma lenda de tão fantástica!
Paralisado de medo e fascinado pelo acontecido, não percebi que a fera se aproximava com fúria em minha direção. Neste momento só poderia clamar pelo Senhor a espera de um milagre! Minhas pernas não saiam do lugar e comecei a sentir o hálito da morte em meu rosto.
Por um instante vi Aquiles e Michelangelo virem na minha direção com suas espadas para o alto. De repente tudo ficou iluminado! Um branco intenso cobriu os meus olhos! Seria o portal de São Pedro e o arcanjo Miguel na minha frente?
Depois eu vi somente uma penumbra caindo ao chão! Era a besta que se desequilibrou e cambaleando caiu de face sobre as pedras! Pensei comigo: ‘O Senhor mandou um anjo para me salvar!’. O rosto de Michelangelo estava rubro e assustado, ele não entendeu o que houve com o monstro. Aquiles ainda segurava a sua espada no alto da cabeça e não entendeu como sem desferir um golpe havia matado a criatura.
Como se estivéssemos ainda tontos pela balburdia fomos de encontro à fera caída, sem acreditar no que havia acontecido. Foi então que Bonelli percebeu o que era obvio. A fera foi derrubada por uma lança! A arma atravessou a cabeça da criatura fazendo que a sua ponta saísse pelos seus olhos! De onde veio tal arma? Quem foi este salvador? Seria a lança de Marte? Henrico se dirigiu para a cabeça da fera e tentou com sua força arrancar a lança.
Neste momento algo mais uma vez nos surpreendeu! Enormes lanças brotaram por entre galhos e arbustos ao nosso redor! Começamos a ouvir pisadas na mata e figuras de silhuetas humanas começaram a aparecer diante de nossos olhos. Estas figuras começaram a ganhar formas mais suaves e as cores de suas peles pareciam mais nítidas. Então os guerreiros nus de pele cor de ocre vieram em nossa direção.
Aquiles baixou a sua espada e os outros monges ficaram parados. Um dos nativos veio na direção de nosso monge mestre. O monsenhor percebeu que o corpo do oponente não era masculino e sim, de uma mulher! Como cronista tenho que descrever o individuo e confesso que fiquei impressionado com o porte físico da nativa: uma verdadeira amazona digna das valquirias da lenda escandinava pagã.
Com busto proeminente e firme e quadril largo e de braços e coxas fortes. A estranha nativa armada veio até Aquiles e com certa agressividade apontou para o seu queixo a ponta da lança que segurava. Em um ato de raiva ela tomou da cintura de Aquiles a bíblia que ele tinha e a jogou na água. Poderíamos esperar tal heresia de seres tão inferiores? Ela então soltou em nosso linguajar meio forçado uma palavra de nosso idioma: ‘Maldito!’. Aquiles ficou surpreso que a nativa falasse em nossa língua. Ela continuou: ‘Maldito, vou matar você!’.
Foi neste momento que Hélio Medeiros parou a leitura. O publico ‘boquiaberto’ esperava algo no ar. Helio pegou o copo e bebeu o que restava de água. Deu uma respirada funda e voltou:
-Esta é a primeira epistola de Francesco. Podemos perceber que a narrativa parece fantástica ou se quiserem burlescas. Não podemos esquecer porem, que o tal monstro citado na carta provavelmente seria alguma fera selvagem, talvez um lobo ou quem sabe uma onça.
Helio foi então a mesa e na pasta pegou outra carta. Arrumou os óculos de leitura e dando mais uma respirada adquiriu fôlego para continuar a leitura.
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