terça-feira, 3 de maio de 2011

Monografia de pós-graduação parte II (continuação)

 Continuando o capitulo I da monografia intitulada 'das palavras de Dante às Imagens de Bosch':
Verdon também acrescenta que o termo servo não queria dizer propriamente escravo, o servo tinha impostos a pagar para uso da terra ao senhor feudal e assim existia uma espécie de contrato de serviço. O contratualismo era o modo de negociação do homem medieval que passava não somente nas instâncias da economia como na política e principalmente na religião. O acordo entre homens chegava inclusive a fenômenos sobrenaturais como pactos demoníacos ou pedidos para que um santo realizasse um milagre em troca da devoção de quem lhe pedisse ajuda. Mas, vejamos a relação homem e terra medieval.
 Com o aumento da produção na lavoura e o lucro do senhor feudal, foi necessário fortificar os feudos e assim castelos e muralhas foram sendo erguidos nas proximidades dos feudos. As milícias ou guardas reais vigiavam a região para impedir o ataque de bárbaros e ducados rivais. Com o crescimento da produção dos feudos o excedente precisava ser escoado e assim as cidades comerciais apareceram de acordo com a medievalista Sophlie Cassagnes-Brouquet no artigo intitulado Novas cidades, novos ricos (2008): “O crescimento urbano foi contemporâneo ao do campo e também ao aumento demográfico que o Ocidente conheceu na época. Colheitas mais abundantes alimentavam o escoamento dos excedentes vendidos na cidade” (CASSAGNES-BROUQUET, 2008, p. 43).
Com o surgimento do relógio no século XIV, o homem passou a observar o tempo sazonal e por fim se orientar melhor para a produção agrícola: “Na Idade Média o domínio do tempo avançou para o estabelecimento de novos calendários, com a base na semana, o ritmo de um dia de repouso para seis dias de trabalho...” (LE GOFF, 2008, p. 09). Os avanços tecnológicos provaram que não havia uma ruptura entre a Idade Média e o Humanismo, pelo contrário, um se prolonga no outro. Visto que muitas das invenções da Idade Média passaram por aperfeiçoamento nas mãos de filósofos que irão deflagrar e discutir o Humanismo como Filippo Brunelleschi (1377-1446) e Leonardo Da Vinci (1452-1519).
Com os estudos surge a divisão técnica, as guildas da Idade Média com o tempo dariam lugar às oficinas. Estas iriam moldar o futuro da arte de onde sairiam os mesmos Da Vinci e Brunelleschi. Além, de Sandro Botticelli (1445-1510), Rafael Sanzio (1483-1520) e Michelangelo Buonarotti (1475-1564).  A divisão entre mestres e aprendizes, escultores e cinzeladores mostrou que a setorização de trabalho era algo moderno e se estenderia para outros ofícios.
O profissional do comércio seria um divisor de águas no estrato social medieval. Com o poder de vender produtos e emprestar dinheiro, ele se transformaria em financiador da arte, da construção de cidades e claro em poderoso político. Somente nos séculos XIV e XV, surgiria o papel-moeda, já que as moedas feitas de metal e ouro circulavam pelas cidades, e conseqüentemente as letras de câmbio. Os mercadores irão dedicar o tempo com os empréstimos e tornando-se banqueiros e posteriormente administradores políticos, responsáveis por financiar invenções como a bússola e viagens com as caravelas e patronos das artes como os irmãos Medici, que governariam as cidades-estados.
Criar obras, financiar a ciência. O homem que estava rumando da Idade Média para o Renascimento era antes de tudo um ‘individualista’. O historiador Jean Delumeou (1968) percebe que o indivíduo do Renascimento se nega ao anonimato que era comum na Idade Média. Os camponeses trabalhadores que tinham seu sobrenome associado a um condado ou uma característica física, um sujeito sem identidade em meio à multidão que habitava o campo e as cidades, quase sempre sem perspectiva de futuro por não pensar em si próprio e associar sua vida a um sofrimento que derivava do pecado original.
O contrário surge com os homens emergentes que desejavam os louros da Vitória, a Fama e a Gloria. Estes homens seriam portadores da virtú, o sentimento de audácia e a vontade indomável de empreender façanhas.  Nos séculos XV e XVI o auge do Renascimento e do Humanismo, o coletivismo e deixado para trás. O homem deveria ser reconhecido por seus méritos. Um caso interessante são os cavaleiros que voltam das cruzadas ou da pilhagem como heróis e em sua homenagem ganham estatuas eqüestres ou mercadores que possuem túmulos com aparência de câmara funerária de imperadores greco-romanos. Percebem-se os exageros nas construções de arcos do triunfo e pinturas de retrato de pessoas celebres com o tema da glorificação da Fama e da Gloria, deusas que eram representadas por carros e louros.
No mesmo século XV surgiram também as guerras e pragas e a ideia de finalismo com a preocupação com o Juízo Final. Aparecia a Melancolia, o sentimento de solidão entre os pensadores e o desespero de salvar almas com o trabalho de cunho moral entre os mais tradicionais como Martinho Lutero (1483-1546), defendendo a salvação pela fé e não por obras, como pregava a Igreja. Isto porque, nenhum homem de acordo com Lutero, era digno para salvar a própria alma, cabendo tal tarefa somente a Deus. As obras de Hieronymus Bosch e Peter Bruegel (1525-1569) relataram este dilema.
O historiador Jacob Buckhardt em seu A Cultura do Renascimento na Itália (1991, p. 297) relata o surgimento da devoção das relíquias sagradas, um misto de fé pagã mágica ao ritual católico, na qual o pertence de algum santo é símbolo de devoção, beirando às vezes a coleta de partes de cadáveres de eremitas e monges consagrados. Segundo Hilário Franco Júnior (1986) os rituais de contratualismo estavam em seu auge onde a fé laico-cristã de se enterrar uma hóstia para obter uma boa colheita era tão comum quanto consultar os astros. O contratualismo era uma das estruturas básicas da mentalidade medieval: o homem medieval propõe um acordo para satisfazer seus desejos íntimos seja com um santo, anjo ou um demônio. Conseqüentemente essas ações escondiam um medo do desconhecido: “A concretude da religiosidade medieval (daí peregrinações, Cruzadas, culto de relíquias, etc, derivava do seu forte dualismo, da crença na onipresença de anjos e demônios, a quem procurava atrair ou exorcizar)”. (FRANCO JUNIOR, 1986, p. 152).
Havia homens que se entregavam à fé na hierofania e no sobrenatural e havia quem negasse tudo. Surgia o homem humanista por excelência, que questionava e desafiava tudo que era estabelecido, desde papas, reis e inclusive Deus. Nesse intere quem melhor representou este papel foi Erasmo de Rotterdam (1465-1536). Autor do célebre Elogio da Loucura escrito no século XV, onde a sátira e a ironia sobre a sociedade medieval foram pontos fortes. Nesta obra, Erasmo expõe que o homem de sua época estava ‘louco’, seja por Deus, pelo poder e todos os exageros possíveis que pôde detectar em sua época: “Talvez fosse melhor não falar dos teólogos, evitando remover este pântano pestilento, de tocar nessa matéria infecta. Raça orgulhosa e irritadiça, eles me atacariam em bloco com centenas de argumentos e, se eu recusasse retratar-me, me denunciariam de como herege (...)” (LIII – Loucura dos teólogos, p. 73).
Além de Erasmo, havia também Nicolau Maquiavel (1469-1527), que homenageou os Médici, família conhecida na Itália por atitudes controversas, em seu O Príncipe. Porém, a obra exata sobre a Idade Média seria escrita bem antes deles por Dante Alighieri em 1300.
1.2-Trivium & quatrivium

Em termos intelectuais o pensamento científico (a matemática, a ciência natural) parecia caminhar a passos lentos na Idade Média. Não em vão Voltaire (1694-1778) disse que a Idade Média era a ‘Idade das Trevas’ para os pensadores e intelectuais. O fatídico caso de Galileu Galilei (1564-1642) que ocorrera em 1600 ajudou a ter uma visão mais pessimista da era dos reis e papas. Os tratados filosóficos eram guardados nas catedrais e somente a Igreja tinha o acesso a eles. Os monges copistas e os monges responsáveis pelas iluminuras eram privilegiados. Eles podiam copiar textos e depois decorá-los, este serviço permitiu a eles terem poder na Igreja. A vida monástica acabou servindo como reduto de artesãos e cientistas a serviço da Igreja como o padre Guido D’Arezzo (995-1050) criador da partitura musical e os afrescos de Giotto di Bondone (1267-1337).
   Muitos dos benefícios que os monges copistas obtinham na área de guarda de livros e textos raros vieram de reis como Carlos Magno (747-814), grande divulgador cristão, e do imperador Teodorico, o Bizantino. Estes reis e imperadores, por meio de pilhagens em suas conquistas doavam para a Igreja documentos valiosos, especialmente pergaminhos escritos pelos grandes filósofos gregos, e depois estes eram convertidos em códices (livros formados de folhas dobradas e reunidos em cadernos). Como havia muitos mosteiros na Europa, a produção de manuscrito era numerosa. Os escolásticos1 ministravam aulas para os filhos de reis, duques, noviços e filho de algum camponês ou cavaleiro que via na vida monástica um futuro melhor para o rebento do que a espada ou a lavra. Com sorte o noviço se tornaria o próximo bispo ou papa, como atesta o medievalista Pierre Riché em um artigo intitulado Quando copiar era um estímulo intelectual (RICHÈ, 2008 p.60).


1                Escolástica: linha da filosofia cristã que busca responder as duvidas da fé. A escolástica é ligada a Igreja. A sua principal função é ser mantenedora dos valores cristãos e assim sendo legitimando-os.
Como professor, o escolástico ministrava o Trivium: Retórica, Gramática e Teologia; e também o Quatrivium: Geometria, Aritmética, Astronomia e Música. A área de humanas recebia mais atenção, por exigir dos homens letrados a capacidade de defender intelectualmente uma tese, principalmente teologia. Enquanto a área de exatas se destinava a trabalhos de cunho prático manuais. Com o passar do tempo a valorização do Quatrivium pela burguesia e pelos artistas se tornou a base do Renascimento. Em contra partida o Trivium ficaria marcado como a base educacional da Idade Média. (continua)

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